Wilson Ibiapina
A Rádio Iracema de Fortaleza, criação dos irmãos Flávio e Ze Parente, funcionava neste prédio diferente, que ficava na praça José de Alencar. As antenas da ZYR-7 ficavam no Pirambu, na beira da praia. A Rádio era captada em alto mar e ajudava a orientar a navegação. Ou a matar a saudade dos brasileirios que retornavam ao país. Ainda em alto mar, era a primeira voz que ouviam da pátria. Foi assim com o poeta Vinicius de Moares que não resistiu e escreveu essa cônica "Do amor à pátria"
"São doces os caminhos que levam de volta à pátria. Não à pátria amada de verdes mares bravios, a mirar em berço esplêndido o esplendor do Cruzeiro do Sul; mas a uma outra mais íntima, pacífica e habitual - uma cuja terra se comeu em criança, uma onde se foi menino ansioso por crescer, uma onde se cresceu em sofrimentos e esperanças plantando canções, amores e filhos ao saber das estações.
Sim, são doces as rotas que reconduzem o homem à sua pátria, e tão mais doces quanto mais ele teve, viu e conheceu outras pátrias de outros homens. Assim eu, ausente pela segunda vez de uma ausência de muitos anos quando, dentro da noite a bordo, os dedos a revirar o dial do ondas-curtas, aguardava o primeiro balbucio de minha pátria como um pai à espera da primeira palavra do seu filho. O coração batia-me como batera um dia, à poesia sonhada, ou como um outra vez, diante de uns olhos de mulher.
- O Sr. Tem certeza de que isso é mesmo um ondas-curtas?
O camareiro norueguês, grande e tranqüilo, limitou-se a sorrir misteriosamente. Depois, humano, inclinou-se sobre o aparelho, o ouvido atento, e pôs-se a tentar por sua vez. As ondas sonoras iam e vinham verrumando a minha angústia.
Onde estava ela, a minha pátria que não vinha falar comigo ali dentro do mar escuro?
E de repente foi uma voz que mal se distinguia, balbuciando bolhas de éter, mas pensei no meio delas distinguir um nome: o nome de Iracema. Não tinha certeza, mas pareceu-me ouvir o nome de Iracema entre os estertores espásmicos do aparelho receptor.
Deus do céu! Seria mesmo o nome de Iracema?
Era sim, porque logo depois chegou a afirmar-se, mas quase imperceptível, como se pronunciado por um gnomo montado em minha orelha. Era o nome de Iracema, da Rádio Iracema, de Fortaleza, a emissora dos lábios de mel, que sai mar afora, enfrentando os espaços oceânicos varridos de vento para trazer a um homem saudoso o primeiro gosto de sua pátria.
Adorável prefixo noturno, nunca te esquecerei! Foste mais uma vez essa coisa primeira tão única como o primeiro amigo, a primeira namorada, o primeiro poema. E a ti eu direi: é possível que o Padre Vieira esteja certo ao dizer que a ausência é, depois da morte, a maior causa da morte de amor. Mas não do amor à terra onde se cresceu e se plantou raízes, à terra a cuja imagem e semelhança se foi feito e onde um dia, num pequeno lote, se espera poder nunca mais esperar.
Agosto de 1953. Vinicius de Moraes, Para uma menina com uma flor.
agosto de 1953? a menininha nasceu em Toquio.
ResponderExcluir