quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A PRIMEIRA PRAÇA DE FORTALEZA




Wilson Ibiapina

Quando era menino em Fortaleza, meus pais me levaram para conhecer a primeira praça da cidade. Estávamos nos anos 50 e já era chamada de Passeio Público. De um lado a Santa Casa, do outro a fortaleza de Nossa Senhora de Assunção. 
Santa Casa da misericórdia.
O Pálace, o maior e melhor hotel da cidade, ficava olhando para a praça e para o mar. Impressionava a quantidade pessoas que usavam o logradouro. Sem televisão, sem rádio, era o lugar preferido para conversar, paquerar, se exibir.

Foto rara da Praça
O jornalista Colombo de Souza Filho lembra que a praça, construída em 1864, já foi Campo da Pólvora, Largo do Hospital de Caridade, e Praça da Misericórdia. Em 1864 foi urbanizada e dividida em três níveis. O primeiro era frequentado pelos ricos. Outros dois planos pelas classes média e pobre.

Na parte de debaixo, quase na beira do mar, ficava a usina da Light. Entre a praça e a Usina havia o Derby Club e o campo de futebol, o primeiro de Fortaleza. Colombo lembra que Walter Hansen Barroso retornou da Alemanha, onde passou mais de seis anos, trazendo as primeiras seis bolas de couro e vários jogos de camisas. Até então, a moçada jogava com bola de borracha. Foi nesse campo que foram disputadas as primeiras partidas de futebol do estado. Os times eram formados por marinheiros dos navios ancorados no porto do mucuripe, por ingleses que trabalhavam na Light e na rede ferroviária e cearenses da classe rica.

O progresso destruiu tudo. A Usina, movida a lenha, soltava muita cinza, o que deu nome ao bairro que surgiu no local, habitado por prostitutas e com muitos cabarés. Atualmente parte daquela área é ocupada pelo hotel Marina Iracema Park.

Em abril de 1879 a praça foi denominada oficialmente de Praça dos Mártires, uma homenagem aos cearenses fuzilados ali por pertencerem ao movimento República do Equador. Entre os que morreram estão João Andrade Pessoa Anta, padre Mororó, Carapinima e o tenente-coronel Francisco Miguel Pereira Ibiapina, pai do padre Ibiapina.

Moradoras escolhiam suas melhores roupas para passear na Praça

As pessoas, com as melhores roupas de domingo, iam passear ali. Curiosamente, todos, homens e mulheres, usavam chapéus. As árvores centenárias, como o obaobá que o senador Pompeu plantou em 1906, dão sombra e embelezam a praça, cheia de bancos de ferro.


O bar e restaurante que ficava ao lado do coreto dava vida à cidade. Ainda é o Colombo de Souza Filho que recorda: “Além da cerveja bem gelada, o restaurante servia a melhor sopa de cabeça de peixe da cidade. Curava qualquer ressaca.” O dr. Bier (o médico Abner Brígido) gostava de levar ao Passeio Público os artistas que iam se apresentar em Fortaleza. Passaram pelo coreto Elizeth Cardoso, Xavier Cugat e Ninón Sevilla, a cubana que cantava e dançava exibindo belas pernas e que morou no México, onde consolidou sua erótica figura no cinema mexicano na década de 50.


Com surgimento de outras praças, o Passeio Público foi perdendo seu charme. Passou a ser frequentado por prostitutas e marginais. Nos anos 60 foi ensaiada uma recuperação. Foi tombada pelo IPHAN em 13 de janeiro de 1965. O barzinho que fica no canto da praça voltou a servir lanches, bebidas. O Passeio Público ganhou um fôlego, mas atravessou o século entregue de novo ao abandono. Em outubro de 2007 a praça foi restaurada.

Agora, o jornalista Ayrton Rocha, em pleno domingo, telefona de lá. Para minha surpresa estava bebendo cerveja e “ cubando” o movimento, numa demonstração de que o local está mais uma vez revitalizado. 

Rosana Lins
O restaurante está arrendado pelo casal Dário Nascimento, desenhista técnico e engenheiro de origem capixaba e de sua mulher, a bela e delicada Rosana Lins, publicitária, paulista. Ayrton diz que Rosana é tão apaixonada pela praça que hoje, é uma Guardian de todo o acervo e da manutenção da beleza do local. Ela transformou a praça, não só num belo ponto turístico, mas um lugar de lazer para a cidade.



É um restaurante orgânico de segunda a segunda. Um fato curioso : O almoço, tem a frequência das pessoas que trabalham no centro da cidade, com direito a uma sesta, aquele descanso após o almoço que Rosana chama de "Espaço para o Silencio" nas dezenas de bancos espalhados na praça. As 14 horas, os guardas municipais que policiam a praça, saem acordando todos, para voltarem ao trabalho.

Segundo o Ayrton, o funcionamento é de nove da manhã às cinco da tarde. Às sextas feiras, tem o Happy Hour até as dez da noite, com musica ao vivo. Durante a semana tem música ( Jazz) para ouvir e relaxar, bebendo uma cerveja gelada com petiscos e caldo de cabeça de peixe e assistindo o por do Sol. A vista para praia Formosa é linda. Sábados tem feijoada com música ao vivo. Mesas espalhas sob árvores centenárias e frondosas. Domingos, feijoada e bacalhau.

As famílias fazem pic nic, levando suas comidas e suas toalhas. Comemoram aniversários de criança na praça, usando as mesas do bar. A frequência maior é da população local e depois turistas.

Rosana conta que estão com o restaurante a 1 ano e 9 meses, conseguindo neste período, vencer todo o preconceito contra a praça. A praça é democrática. As prostitutas não podem mais fazer ponto lá, trabalhar na praça, mas podem almoçar, até porque, elas moram pelas redondezas. Como diria Castro Alves, “A praça é do povo como o céu é condor”.

A Praça hoje


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