sábado, 21 de junho de 2014

UM PORTUGUÊS BEM BRASILEIRO


A Glenn Miller Army Force Band tinha como missão, durante a Segunda Grande Guerra, entreter as tropas americanas. Numa passagem por Lisboa, a banda da Força Aérea dos Estados Unidos se exibiu no Rossio. O som  era de  melodias como Chatanooga Choo-Choo, In The Mood, Moonlight Serenade e A String of Pearls (Um Colar de Pérolas: “Ela balançava / O colar/ De pérolas numa esquina / Os postes refletiam / As luzes na água / E o colar arrebentou / E as pérolas / Caíram / Rolando...).


Os portugueses não resistiram e saíram dançando em praça pública; Foi nesse clima que o jovem Ruy Diniz Netto tirou para dançar a menina-moça Maria Luíza, que acabara de conhecer. O romantismo tomou conta da noite e do casal que só se separou agora, no dia primeiro de junho, quando Ruy Diniz Netto morreu, aos 88 anos, vítima de enfisema pulmonar.

O destino determinou que Ruy virasse brasileiro. E lá se vem ele conhecer a antiga colônia. Uma viagem de navio da Europa para o Brasil. De Lisboa para Porto Alegre, no início da década de 50, Ruy Diniz Netto conheceu a família Betarso, dona da Livraria do Globo e da Editora Globo, durante essa viagem. Ele foi em seguida convidado para trabalhar como relações públicas e divulgador das duas empresas, e também para colaborar com a Revista do Globo.

Gaúcho honorário, Ruy Diniz colaborou com o Correio do Povo nos anos 1950 e 1960 e era apaixonado pela literatura de Erico Veríssimo. No livro “A Globo da Rua da Praia”, José Otávio Bertaso conta que foi Ruy Diniz, quando era chefe de vendas da editora, quem sugeriu a seu pai, Henrique Bertaso, que fosse realizada uma feira que reunisse livreiros e editores, na Praça da Alfândega, no Centro de Porto Alegre. A  ideia de Ruy era  levar bancas com publicações para o Centro de Porto Alegre e oferecê-las à população com descontos. Foi nessa época que conheceu o jornalista Abdias Silva, um piauiense que saiu de Campo Maior, e também foi bater em Porto Alegre.


Ruy contou-me um dia que ficou encantado quando teve a noção exata do tamanho do Brasil. Em Portugal, contava ele, pegava um avião para o Porto e o voo durava uma dose de uísque. Na primeira viagem que fez da capital gaúcha para Manaus, ficou surpreso. Pediu um uísque, deu uma volta pelo avião, uma segunda dose, uma terceira, e nada de chegar. Teve que sentar, mandar suspender a bebida e esperar o término do voo. Um país continental que ele soube explorar.

Depois de anos morando em Porto Alegre, como jornalista, voltou para Portugal por um período. Em 1975, Ruy Diniz Netto ingressou na carreira diplomática e foi nomeado como adido cultural da Embaixada de Portugal em Brasília. O trabalho que fez para entrosar os dois países suplantou o de muitos embaixadores.

Alegre, culto, amigo, cordial, conseguiu fazer amizade com jornalistas, políticos, empresários e intelectuais. Aproximou os brasileiros de sua terra com promoções culturais que envolveram grandes nomes das artes, da cultura e da música.  Apresentou-nos Mário Soares e José Saramago, muito antes dos dois deflagrarem suas carreiras na política e na literatura.


Ruy Diniz estava sempre  pronto para atender a qualquer convite. De blazer, lenço no pescoço, circulava com elegância e desenvoltura pelos salões de Brasília, fazendo amigos, “vendendo” a imagem de Portugal.

Um dia, quando aguardava no aeroporto de Brasília a missão que vinha preparar a visita do então presidente português, Mário Soares, teve seu carro roubado no estacionamento. Dias depois, recebeu um telefonema dizendo que o carro dele estava no estacionamento da Polícia de Goiânia, mas tinha que pagar uma taxa. Foi lá, pagou e resgatou a velha Mercedes.

Contou-me essa história quando, um dia, levava a Edilma e eu de sua casa no Estoril para Lisboa, nesse mesmo automóvel. Disse que nunca denunciou à Polícia nem contou para a imprensa para não criar problema para a imagem do país que ele adotara como segunda pátria.
 
Queixou-se, também, de nunca ter sido lembrado pela Embaixada do Brasil em Lisboa nas festas do Sete de Setembro e em outras datas que eram lá comemoradas. Toninho Drummond, quando lhe contei, prometeu conversar com o nosso representante diplomático em Lisboa para incluí-lo na agenda de eventos. Não deu mais tempo.

Ruy ficou em Brasília até 1992, quando se aposentou e retornou à sua pátria. Nunca esqueceu o Brasil e os amigos. Sua filha Suzana, que nasceu no Brasil, disse-me que pouco antes de morrer conversou com ele. Relembraram histórias envolvendo Ari Cunha, Abdias Silva, Rangel Cavalcanti, Egidio Serpa, Toninho Drummond, Walter Galvani, Célia Ribeiro, Alberto André, Maurício Rosenblatt e Erico Veríssimo – e muitos outros amigos de Brasília e de Porto Alegre que”marcaram os dias mais felizes de sua vida.”




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