domingo, 27 de janeiro de 2019

MEMÓRIAS DO TENENTE EU NU

FAUSTO NILO















A primeira vez que vi Francis Vale foi na Praça do Ferreira numa noite de 1966. O Brasil estava enfestado de teatro político, música popular de protesto e Glauber Rocha. Nesta época eu tinha iniciado umas amizades daquelas para a vida toda com Rodger Rogério, Augusto Pontes e Aderbal Freire. Eram os primeiros anos da Ditadura Militar, em seu início ainda calmo se consideramos o que viria depois. Augusto, Rodger e eu tínhamos o hábito de sair, quase todas as noites, a pé, do campus do Benfica, com as bocas cheias de conversas, após passar no diretório acadêmico da Arquitetura, passar no Teatro Universitário e tomar umas no "Balão Vermelho". Seguindo este plano  a história que se repetia quase todas as noites, que era ir esperar o Aderbal com seu fusca na Praça do Ferreira, se divertir um pouco com o folclore de seus frequentadores e torcer pra que ele nos deixasse, no Bar do Anísio, na Beira Mar.

Lá na Praça havia uma movimentação diversificada que muito nos divertia e que incluía muitos tipos engraçados. Era discussões políticas em variadas rodinhas, apostadores que faziam jogos com os números das placas de automóveis que por ali passavam e terminávamos nos divertindo bastante com muita lorota dos grandes conversadores da noite. Estes incluíam juiz de futebol, atores, poetas, velhos comunistas, distribuindo  uma variedade maravilhosa de conversas.

Em uma destas noites alguém me apresentou ao Francês, e nos sentamos muito tempo na escadaria da velha Coluna da Hora, ainda em seu formato de alvenaria revestida em pó de granito.  O Francis que vi naquela noite, ao tempo em que éramos cabeludos, era um cara bem prontinho, como se falava por estas bandas, ou seja, de sapato e roupas caretas. A partir desta noite ele passou a integrar nossa turma, nos acompanhou em grandes aventuras boêmias no Bar do Anísio e construiu, em cerca de uns dez anos, sua lendária história, seus grandes porres, e suas maravilhosas paixões culturais. Alguns anos depois, estávamos num bar da Beira Mar, ele calmamente tirou a roupa, dobrou bem dobradinha, cumprimentou o sol,  e terminou ganhando um apelido aplicado por Augusto Pontes: Tenente Eu Nu.

Nestes anos de apaixonada loucura o Francês, cuja roupa já não era caretinha, comprou uma Kombi e de maneira também apaixonada levou Rodger, Teti, Manassés, Edson Távora e Zé Miltom, rumo a São Paulo para conquistar espaços na Música Popular Brasileira, numa obra que resultou nas carreiras profissionais destes grandes artistas. Após isso atravessou mares de radicalidades naquele Brasil difícil da época e terminou sendo figura iluminadora das lideranças do Movimento Estudantil em 1968. Toda esta trajetória terminou no cinema, outra grande paixão de sua vida. Nos deixou depois de realizar seus filmes, uma belíssima canção com o Stelinho e agitar de forma personalizada as cenas que lhe aborreciam pelo estilo modorrento. Sua saudade deixada é grande para mim e para os amigos, e não consigo esquecer de recordá-lo, principalmente quando vejo a Coluna da Hora, mesmo não sendo mais aquela de alvenaria revestida de pó de granito.

FRANCIS VALE

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