Wilson Ibiapina
Esse tal de comunismo já deu muito trabalho aos
americanos. Quando Fidel assumiu o comando em Cuba, em 1959, você não imagina o
tamanho do temor de que o comunismo tomasse conta da América Latina.
J. F. KENNEDY |
O presidente Kennedy criou a Aliança para o
Progresso para tentar frear o avanço das esquerdas na região. Nos anos 60,
os americanos viam o Nordeste brasileiro como região perigosa. Achavam
que a miséria e a atuação de cearenses como dom Helder Câmara, dom Fragoso
e Miguel Arraes, assim como a do pernambucano Chico Julião fertilizavam as
ideias marxistas. Durante dez anos os americanos despejaram no Nordeste dólares,
leite em pó e muitos jovens.
Em 1968, Fortaleza ficou cheia desses rapazes e
moças americanos que fugiam do serviço militar como o diabo da cruz. No
mesmo instante em que eles desembarcavam por aqui com medo de ir pro Vietnam,
um cearense chegava a Saigon, hoje Ho Chi Min, como correspondente de guerra.
Luís Edgar de Andrade |
Luís Edgar de Andrade é o único
jornalista cearense que cobriu a guerra do sudeste asiático.
Levou na bagagem a experiência adquirida em redações de jornais do Ceará e
do Rio, nada que se comparasse ao que viveu durante o ano de 1968 na mais
sangrenta guerra de guerrilha que se tem notícia.
José Hamilton Ribeiro perdeu a parte inferior da perna esquerda ao cobrir a guerra do Vietnã. |
Ele lembra que foram quase 2 mil repórteres que
passaram por lá. Quarenta e oito morreram e 18 foram dados como desaparecidos.
Viu o companheiro brasileiro, José Hamilton Ribeiro, hoje repórter do Globo
Rural, perder a perna. Estava apenas há 14 dias no Vietnam quando pisou numa
mina.
Luís Edgar esperou mais de 30 anos para colocar
suas lembranças de guerra num livro. E elas vieram em forma de romance, que
acabo de reler.
Os correspondentes de guerra no Vietnam eram
obrigados a usar o mesmo uniforme dos soldados americanos. A diferença era que
no lugar da arma usavam papel, caneta, máquina fotográfica. Edgar conta que o
medo de ser apanhado por um vietcong fez alguns, como o filho do ator Errol
Flynn, bordarem na farda a expressão bao chi. E obrigou o resto dos correspondentes
a pronunciar bao chi (imprensa), que na verdade queria dizer “não atirem”. O
grito, em meio a batalhas significava, também e, principalmente, “imprensa, não
me mate.” "Bao Chi! Bao Chi!" é o título do romance de Luís Edgar de
Andrade, cearense de Fortaleza, formado em direito e filosofia e com
pós-graduação em jornalismo na França.
Norma Couri escreveu no Jornal do Brasil: “Não
se trata de uma reportagem nem de um livro de memória. É uma ficção que
mistura o rigor da história de um jornalista tarimbado à glamourização e ao
sexo ocasional que envolvem situações de muito perigo. Também trata de
personagens reais, como o colega José Hamilton Ribeiro, além de Peter Arnet,
que a guerra do Golfo consagraria, Oriana Falacci e outros menos conhecidos.”
São 284 páginas e o protagonista da história é
o jornalista Miguel Arruda, que perde o emprego e larga a namorada no Rio e
parte para o Vietnam. Numa mesa de bar, ao longo do romance, Luís Edgar, como o
personagem Miguel descreve sua adaptação à cultura e costumes do povo
vietnamita, revelando bastidores do conflito e o segredo de uma cobertura.
Norma Couri diz que Bao chi, Bao chi traz
suspense quase como num romance policial, mas relata situações verdadeiras
vividas pelo correspondente. O livro mostra o ambiente de tensão, loucura,
solidão e medo vivido pelos correspondentes.
Carlos Heitor Cony diz que o romance de Luís
Edgar "só é comparável aos melhores textos de Hemningway, tanto na economia
vocabular como na eficiência dos diálogos”.
Como você deve lembrar, os americanos perderam
a guerra.
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