quarta-feira, 28 de março de 2012

O luto é grande: MORRE MILLÔR FERNANDES








Chico Anysio e Millôr Fernandes 
Assim fica tudo sem graça. Como se não bastasse o Chico Anysio, agora chamaram o Millôr Fernandes. O rei das frases de efeito, tipo “Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem” ou “As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades”. Ele se auto-definia “um escritor sem estilo”.

Certa noite, no Rio de Janeiro, eu conversava com o Aderbal Freire Filho no apartamento em que ele morava em Ipanema. Papo furado, aquele que vara a madrugada. De repente, um vizinho vai até a janela que ficava bem perto do apartamento onde estávamos. Nos olha e fecha a janela na base da porrada. O Aderbal perguntou: “Viu quem era?” Antes que eu respondesse, ele continuou: “Era o Millôr. Pronto, vai fazer charges e frases com os dois babacas que lhe acordaram de madrugada”. Foi só uma preocupação nossa. Ele sabia quem era o vizinho conversador e escapamos de sua fina ironia. Apenas dois chatos na madrugada, deve ter pensado. Chato, que ele definiu um dia como “o indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele”.


Era pra ser Milton Viola Fernandes. Por um problema de caligrafia no Cartório Carioca foi registrado como Millôr, história que só soube adolescente. Desde pequeno disse a que veio. Aos dez anos de idade vendeu o primeiro desenho para a publicação O Jornal do Rio de Janeiro. Recebeu dez mil réis por ele. Em 1938 começou a trabalhar como repaginador, factótum e contínuo no semanário O Cruzeiro. No mesmo ano ganhou um concurso de contos na revista A Cigarra (sob o pseudônimo de "Notlim"). Assumiu a direção da publicação algum tempo depois, onde também publicou a seção "Poste Escrito", depois assinada por "Vão Gogo".
Em 1941 voltou a colaborar com a revista O Cruzeiro, onde por 18 anos assinou como "Vão Gogo" a coluna "Pif-Paf". Deixou a revista por conta da polêmica causada com a publicação de A Verdadeira História do Paraíso, considerada ofensiva pela Igreja Católica. A partir daí passou a conciliar as profissões de escritor, tradutor (autodidata) e autor de teatro. Além de escrever peças de teatro, textos de humor e poesia, traduziu, do inglês e do francês, várias obras, principalmente peças de teatro, entre estas, clássicos de Sófocles, Shakespeare, Molière, Brecht e Tennessee Williams.


Millôr Fernandes faleceu aos 88 anos no dia 27 de março de 2012 em decorrência de falência múltipla dos órgãos e parada cardíaca. Sua obra é extensa. Deixou três livros de poesias, quatro de artes plásticas, vinte e nove de prosa, entre elas Eva sem costela, – Um livro em defesa do homem (sob o pseudônimo de Adão Júnior) - Tempo e contratempo (sob o pseudônimo de Emmanuel Vão Gogô), Esta é a verdadeira história do Paraíso, -Trinta anos de mim mesmo, Livro vermelho dos pensamentos de Millôr, Devora-me ou te decifro, Millôr no Pasquim,  Reflexões sem dor, Novas fábulas fabulosas, Que país é este?, Todo homem é minha caça, Eros uma vez,  Humor nos tempos do Collor (com L. F. Veríssimo e Jô Soares), Millôr definitivo - A bíblia do caos, Tempo e contratempo (2ª edição), Millôr revisita Vão Gogô, Crítica da razão impura ou O primado da ignorância, Desidratada.

Sobre teatro ele deixa as seguintes peças em livros: Uma mulher em três atos - 1953, Do tamanho de um defunto - 1955, Bonito como um deus - 1955 e A gaivota – 1959, Um elefante no caos ou Jornal do Brasil ou, sobretudo, Por que me ufano do meu país – 1962, Pigmaleoa – 1965 Computa, computador, computa – 1972, É... – 1977, A história é uma istória – 1978, O homem do princípio ao fim – 1982, Os órfãos de Jânio – 1979, Duas tábuas e uma paixão – 1982 – (nunca encenada)
Teatro não editado em livro: Diálogo da mais perfeita compreensão conjugal – 1955, Pif, tac, zig, pong – 1962, A viúva imortal – 1967, A eterna luta entre o homem e a mulher – 1982, Kaos – 1995 (leitura pública em 2001 – nunca encenada).
Espetáculos musicais: Pif-Paf – Edição extra! – 1952 (com músicas de Ary Bizarro), Esse mundo é meu – 1965 (em parceria com Sérgio Ricardo), Liberdade, liberdade – 1965 (em parceria com Flávio Rangel), Memórias de um sargento de milícias - 1966 (com músicas de Marco Antonio e Nelson Lins e Barros), Momento 68 – 1968, Mulher, esse super-homem – 1969, Bons tempos, hein?! – 1979, Vidigal: Memórias de um tenente de milícias – 1982 (com músculos de Carlos Lyraseso), De repente – 1984, O MP4 e o Dr. Çobral vão em busca do mal – 1984, China! Outros 5000, Uma Pope Ópera (com músculos de Toquinho e Paulo César Pinto).

Algumas frases que Millôr Fernandes emplacou ao longo de sua vida:
Anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas que, nas mulheres, fica muito melhor.

Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.

De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência.

Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim
Inúmeros artistas contemporâneos não são artistas e, olhando bem, nem são contemporâneos.

Jamais diga uma mentira que não possa provar.

Machão não come mel - come abelha.
Acreditar que não acreditamos em nada é crer na crença do descrer.


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