Ayrton Rocha
Rio de
Janeiro.
Capacabana.
Noite de
boemia.
A boite
era o Little Club, no Beco das Garrafas.
A noite
era do meu bem. Era de Dolores Duran.
À noite é
o bem de todos nós, românticos e boêmios.
Das noites e da vida.
Dolores
Duran foi à paixão da noite.
Ela foi à
esperança da manhã.
Tudo que
ela falava ou dizia, era paixão, era amor.
Dolores
Duran era a namorada que todos gostariam de ter tido.
Mas nem
todos tiveram a sorte do meu amigo e compositor Billy Blanco, que considerava
as músicas de Dolores como ''De capa e espada, com mortes e feridos''.
Nem a
sorte também de um jovem de dezenove anos, Nonato Pinheiro, bem mais novo que
Dolores, que, numa noite no Little Club, pediu para ela cantar ''Castigo''. Uma
canção de Dolores, que castiga qualquer coração numa noite perdida.
De pronto
ela respondeu: ''O Show já terminou. Mas posso cantar em seu ouvido”. E para o
jovem Nonato Pinheiro, seu maior romance, ela compôs, quem sabe, em seu ouvido,
''A Noite do Meu Bem''. Maravilhosa música de amor, que até Tom Jobim, acho eu,
gostaria de ter composto.
Tanto que
Tom não resistiu ao sentimento e aos encantos de Dolores e com ela fez duas de
suas principais parcerias. ''Estrada do Sol'', quem não se lembra: ''É de manhã
vem o Sol mais os pingos da chuva que ontem caiu/ainda estão a brilhar/ainda
estão a cantar/ao vento alegre que me traz esta canção''. E, ''Por Causa de
Você'': ''Ai, você está vendo só/do jeito que eu fiquei/e que tudo ficou/uma
tristeza tão grande/nas coisas mais tristes que você tocou”.
Eu não
sei falar em Dolores Duran do meu tempo e de todos os tempos, sem lembrar
Copacabana, o Beco das Garrafas em noites cheias de fumaça de cigarros e ouvi-la
cantar ''Castigo'': A gente briga/diz tanta coisa que não quer dizer/briga
pensando que não vai sofrer/que não faz mal se tudo terminar''.
De
ouví-la dizer, cantando, na noite enfumaçada de Copacabana: ''Eu desconfio/que
o nosso caso está na hora de acabar/Há um adeus/Há um gesto em cada olhar/mas
nós não temos é coragem de falar''. De ouvir,
ela e o Tom Jobim juntos, cantarem ''Me dê a mão/vamos sair pra ver o Sol''.
Eu não
lembro, sem chorar, ouvir Dolores Duran dizer cantando: ''Ai, a solidão vai
acabar comigo''. Dolores
foi a Flor da noite de Copacabana. A Flor verdadeira.
Foi a Lua
cheia de um ''Fim de Caso''. Foi uma
estrela da manhã num raiar do dia no lindo Rio de Janeiro Zona Sul. Ela foi à
noite de Copacabana. E o dia de Ipanema.
Na Rua
Gomes Carneiro, no edifício Majestic, onde morava.
Dolores
foi à mulata mais linda do meu samba-canção. Ela foi à
voz mais gostosa de uma noite de paixão. Dolores
foi o cochicho de amor no meu ouvido. Foi o
sussurro melodioso da minha emoção. Foi a
Rosa mais bela, das noites, dos bares, do samba-canção.
Ela foi à
paixão da noite.
Ela foi à
esperança da manhã.
Tudo que
ela cantava ou dizia, era amor, era paixão. ''Eu quero qualquer coisa
verdadeira/um amor uma saudade/uma lágrima um amigo/Ai a solidão vai acabar
comigo''.
''Não me
culpes/é que eu tenho muito amor muita saudade/e estas coisas custam muito a
passar. Não me culpes não/pois vai ser assim. Toda vez que você passar por
mim''.
Dolores
era assim mesmo. Gostava de namorar. Tinha
muitos amigos. Gostava
de amar.
Todas as
madrugadas de sábado, quando a noite cansada deixava o Sol chegar com todos os
seus raios de luz, Dolores se cercava dos amigos e levava todos de Copacabana
para Ipanema, no edifício Majestic, lá na Rua Gomes Carneiro, sua casa, para
uma feijoada bem Carioca, quando se transformavam numa intelectual boêmia do
dia, sem nunca esquecer os romances e encantos da noite que já passou.
Numa
dessas madrugadas-manhãs de sábado, sem Sol e sem raios de luz, Dolores não
trouxe os amigos. Não houve
feijoada. Apenas
disse para a sua secretária do lar: ''Não me acorde. Quero dormir até morrer''.
A sua
vontade foi feita. E ela não
acordou nunca mais. E hoje
com saudade eu canto: ''Hoje eu quero a Rosa mais linda que houver/e a primeira
estrela que vier/para enfeitar a noite do meu bem''.
A noite
de Dolores Duran.
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