Wilson Ibiapina
Quem encontra hoje o circunspecto jornalista Ciro Saraiva é incapaz de imaginar que este senhor que gasta bom tempo de sua vida em orações e em leitura da Bíblia, foi um dia o mais espirituoso, alegre e divertido Rei Momo da história do carnaval de Fortaleza.
Essa passagem na vida do hoje brilhante escritor, ele procura esquecer por achar o carnaval cada vez mais longe do povo, que essa “explosão cultural popular virou coisa de rico marcada pela ferocidade do sexo, pela droga e pelo dinheiro”, conforme ele assinala em seu livro “No Tempo dos Coronéis”.
Mas tudo começou por causa do incidente que ocorreu no Country Club de Fortaleza, onde hoje funciona o restaurante Serigado, comandado pelo cronista esportivo Silvio Carlos.
Era o carnaval de 1961. O juiz de menores, Cândido Couto, recebeu denúncia de que menores estavam participando da festa do Country, a segunda-feira mais animada do carnaval cearense. O juiz mandou que a polícia fosse lá retirá-los da festa. A tropa chegou no momento em que o Rei Irapuan Lima e sua corte visitava o clube.
O Edilmar Norões, que fazia parte da corte como cronista carnavalesco, lembra da cena. Algum gaiato gritou para a polícia não prender o Rei Momo. Irapuan Lima, indignado bradou: “O Rei é imprendível”. A Polícia abriu fogo no salão. O fotógrafo Vieira Queiroz, do Correio do Ceará, foi baleado e o Rei teve que pular o muro para escapar dos tiros.
Depois dessa confusão o Rei Momo abdicou. O presidente da Crônica Carnavalesca, Chico Alves Maia, entrou em campo para encontrar seu substituto.
Para alegria geral a escolha recaiu sobre um jornalista gordinho, recem-chegado de Quixeramobim. Com o nome de Cirão I, o novo Rei Momo se vestiu de Nero e saiu às ruas, segundo ele, com “a disposição de tocar fogo no Carnaval de Fortaleza”. Seu grito de guerra era “Vivo o Cão”.
Um dia, num baile no clube Iracema, Cirão sobe no palco e, ao lado do comandante da Região Militar e do ministro Expedito Machado, proclama no microfone: “O Rei, o minisitro e o general! Viva a irresponsabilidade!”
Foi, sem dúvida, o mais animado e debochado Rei do Carnaval cearense. Sua performance aumentava a alegria dos foliões. Só ia pra casa com o sol raiando.
Não fez como aquele rei Momo do passado que foi destituído em plena segunda-feira de carnaval. Foliões, que voltavam de uma festa às 6 horas da manhã, flagraram o Soberano de pijama e comprando pão numa padaria.
A Rainha que acompanhava Cirão, Irani, era muito bonita e chegou a provocar uma crise de ciúme na casa dele. Entre a Rainha do Carnaval e a Rainha do Lar, o Rei optou pela Rainha do Lar. Inventou que estava doente e como já era 1965, em plena ditadura militar, ele saiu-se com essa: “Só volto ao carnaval quando houver condições de fazer alegria no Brasil”.
No carnaval seguinte o Rei já era o Javeh.
Hoje, o jornalista e escritor Ciro Saraiva, vive para Jesus, não ousa sequer repetir o brado de guerra que ele usava para incentivar seus súditos. Considera uma injuria a Deus.
Na verdade, nunca mais apareceu um Rei Momo tão espontâneo, carismático que nem ele. O poeta Rogaciano Leite sentenciou um dia: “No Ceará só existiram dois reis: Luisão e Cirão. O resto é palhaço.”
Eu acho que o melhor mesmo foi o Cirão Primeiro e Único.
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