quinta-feira, 14 de junho de 2012

ARATACAS EM AÇÃO



Narcelio Limaverde



Há alguns anos tentei melhorar o faturamento. Era funcionário público e, por incrível que possa parecer, trabalhava muito e ganhava pouco... Resolvi me submeter a um concurso  no IBGE. Passei e comecei meu trabalho como recenseador, no bairro Jardim América, conforne sorteio, e no dia determinado comecei meu trabalho, nas ruas Ana Neri, Delmiro de Farias, Major Weyne, com enorme pasta debaixo do braço, cheia de formulários para as anotações. 

Na primeira casa quase apanhava de um maluco. Ele não aceitou minha presença em seu quarto. Na segunda um mais ajuizado pensou que eu estava recrutando homens para a guerra do Vietnam. Era no tempo dessa guerra comandada pelos sobrinhos do Tio Sam, lá pro fim do mundo...  Foi dificil explicar que era um trabalho do governo brasileiro, para saber o número de habitantes do Brasil. Nem bem me livrava dos primeiros problemas, na casa de uma loura perguntei qual era a ocupação principal de seu pai. Ela ficou calada até que chorando muito disse: "Meu pai está internado no Leprosário". Foi dificil consolar a jovem, num tempo em que os leprosos eram segregados da sociedade e levados para hospital em Canafístula, distante uns 70 quilômetros de Fortaleza.  

E o que me levou a pensar em Vietnam, Saigon, hoje Ho Chin Min? É que chegou as minhas mãos a revista Entre Lagos, editada em Brasília, último número. O título do artigo "Cabra Arretado. Um cearense na guerrra" me encheu de curiosidade. Quando a gente vai ficando velho a memória para as cousas antigas é muito boa, enquanto que para os fatos mais recentes, é mais dificil... No artigo há referência ao cearense que foi ser correspondente de Guerra no Vietnam. Luiz Edgar de Andrade foi o único jornalista cearense que cobriu a guerra no sudeste asiático.  

Eu sou daqueles cabeças chatas orgulhoso de seus conterrâneos. Fiquei logo interessado, porque eu sabia que um cearense, o jornalista Luciano Carneiro, teimoso como todos somos, também tinha viajado, como repórter da revista Cruzeiro, para  bem distante de sua terra natal. E no deserto do Saara, num daqueles oásis, com sede, parara um pouco para um refrigerante. E, admirado,  constatou, o vendedor era do Ceará.  

Contavam também outra história de cabeça chata num circo na Europa. Ele procurava emprego e conseguiu um de leão. Para tanto vestiria uma roupa apropriada com juba e tudo característico de um rei dos animais. . Ficou com medo, mas como estava com fome, aceitou a missão.  Quando entrou na jaula viu outro rei dos animais vindo em sua direção. Com medo disse logo "Tou lascado". O outro leão ouviu e: " Arre égua, macho, tu também é cearense"? 

Voltando ao artigo da revista Entre Lagos, o relato é bem interessante sobre Luiz Edgar de Andrade Furtado, este seu nome completo.  Ele contou para Wilson Ibiapina, autor da matéria, que, na guerra, jornalistas como ele usavam fardamento semelhante aos dos soldados americanos. A diferença era que no lugar da arma usavam papel, caneta, máquina fotográfica. Com medo dos vietcongs, Edgar contou que, como um filho de Errol Flynn (aqui minha memória recorda o grande artista, protagonista do filme Capitão Blood) mandou bordar na farda a expressão Bao Chi, que na língua lá dos asiáticos significava "imprensa, não me mate", ele fez o mesmo. 

Soube que   Luiz  Edgar de Andrade Furtado escreveu um livro de memória sobre sua presença no Vietnam, com esse título, mostrando o ambiente de tensão e loucura, solidão e medo vivido por ele como correspondente. E eu lendo esse artigo recordei Luiz Edgar, filho do líder católico Manuel Antonio de Andrade Furtado, dirigente do jornal O Nordeste relevante figura da administração e política dos anos 40/50 em nosso Estado. Em determinado momento de minha profissão apresentei com Luiz Edgar o Jornal Sonoro Iracema, emissora dos Irmãos Parente, Flávio e José, às seis horas da manhã. Ele hoje, formado em direito e filosofia e com pós-graduação em jornalismo na França, nem deve se lembrar dessa humilde passagem dele pelo rádio, como meu colega, de Irapuan Lima, Peixoto de Alencar e Armando Vasconcelos. A história contada pelo jornalista Wilson Ibiapina, faz jus ao personagem, com o título Cabra Arretado. E eu aqui vibrei com mais esse heroismo de um cabeça chata.


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Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina