segunda-feira, 1 de maio de 2023

Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina

 


JOÃO PAULO II NO BRASIL

Wilson Ibiapina


No vídeo que meu filho Fábio editou sobre os meus 80 anos de idade, familiares e amigos deixaram seus depoimentos sobre minha trajetória profissional. Como a redação da Globo em Brasília está informatizada, repleta de computadores que substituem as máquinas de escrever, Olavo Denecial preferiu gravar sua fala no arquivo, onde sabia encontrar as matérias do meu tempo de trabalho na emissora. E lembrou um episodio que aconteceu na cobertura da primeira visita do Papa Joao Paulo II ao Brasil, em 1980. Na ocasião fui escalado pela Alice-Maria, diretora da Central Globo de Jornalismo, para chefiar uma das duas equipes formadas para acompanhar Sua Santidade pelo país. A outra equipe ficou sob o comando do Tomzé, de Belo Horizonte.

Depois de receber o Papa em Brasília seguimos para o Rio. Os repórteres Ricardo Pereira, Pedro Rogério e o cinegrafista Ricardo Straus. Na sede da Globo, toda a estrutura do telejornalismo estava trabalhando na cobertura e fiquei meio deslocado. Foi quando descobri que uma equipe da RAI, televisão italiana, acompanhava o Papa de perto, colada nele. Peguei uma das fitas de vídeo gravadas pelos  italianos , entrei numa ilha de edição e comecei a assistir a visita à favela do Vidigal. 


Com um forte esquema de segurança, o Papa subiu o morro acenando e cumprimentando as pessoas. Depois de ouvir o coral de crianças da favela e abençoar a população, presenteou a comunidade com seu anel episcopal. A TV italiana mostrou o Papa tirando o anel do dedo  e entregando a uma garota. Editei a cena que passou a ser um dos momentos mais emocionantes da cobertura global. 


Nas demais visitas que acompanhamos a Porto Alegre, Salvador, Belém e Manaus, não tirei os olhos das imagens gravadas pela RAI. E isso salvou nossa cobertura em Salvador. Em seu oitavo dia no Brasil, o João Paulo II foi visitar a favela de Alagados. Quando nossa equipe chegou toda a área já estava ocupada por uma  multidão e cercada pela polícia. Foi quando o cinegrafista Ricardo Straus começou a filmar uma menina que tentava enfrentar a multidão para chegar ao Papa. Ricardo virou a câmara e mostrou um repórter de uma rádio baiana, com um microfone cara de gato, enrolado numa flanela amarela, fazendo um apelo: 


- por favor deixem a menina passar. Ela só quer entregar um presente ao Papa. 


Até que a garota furou o cerco mergulhou na multidão.  Na redação, de posse da fita da TV italiana, vi a menina saindo da multidão e correndo para entregar um embrulho ao Papa. O Pontífice abriu e viu que o presente era uma jangadinha que ele exibiu ao público,  que aplaudiu. 





No avião, o comandante anunciou que o diretor da Globo estava parabenizando a equipe pelo êxito na cobertura em Salvador, sem saber que naquela manhã dormimos demais e chegamos à favela depois do Papa, quando tudo já estava fechado de gente. E eu até pensei: “Deus está nos ajudando”.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

UM PEDAÇO DO CEARÁ

 


Wilson Ibiapina

 

O professor maranhense Luís Carlos Gomes, que tinha entre seus alunos na Universidade de Brasília os físicos Rodger Rogério, Flávio Torres, Josué, Dedé Evangelista e sua mulher Mazé, gostava de dizer que o mundo estava sendo invadido por marcianos e cearenses. 

Brincadeira à parte, estamos mesmo espalhados em tudo quanto é país. Aqui no Brasil, por exemplo, quem acha que  São Paulo está abarrotado de cearenses não conhece o Acre. O deslocamento para o cantinho do Brasil, que faz divisa com o Amazonas, Rondônia, Bolívia e Peru, começou bem antes, no século dezoito. O historiador Arruda Furtado diz que foram três as causas determinantes das migrações encaminhadas para o Acre. A primeira, provocada pela seca. A segunda, a atração do eldorado amazônico e a terceira, o espírito aventureiro do cearense

Naquela ocasião, Fortaleza recebeu mais de 100 mil migrantes, chamados de retirantes, número que quadruplicou a população da cidade, na época de 25 mil pessoas. Muitos conseguiram viajar para o Amazonas O escritor Artur Reis registrou queEm março de 1879  já tinham entrado em Manaus mais de seis mil retirantes cearenses". José Carvalho de Souza, que nasceu na serra da Meruoca, que viveu mais de 130 anos, foi o cearense mais velho a habitar o Acre. O território boliviano virou brasileiro depois que foi invadido por seringueiros em busca de mais espaço para extrair látex. A mão de obra necessária para a expansão da fronteira e o consequente aumento das produções foi fornecida pelos cearenses que fugiam da seca e se alistavam como soldados da borracha. A primeira insurreição acreana foi em 1899. Liderados pelo cearense José de Carvalho, homens armados obrigaram o delegado boliviano Moisés Santivanez a deixar o Acre, sem precisarem dar um tiro.

Depois de duas outras   revoltas apareceu o gaúcho Plácido de Castro. Na época com apenas 27 anos de idade, liderou uma forte revolução, vencendo as tropas bolivianas, e proclamando, pela terceira e última vez, o território independente do Acre.

O território do Acre, que depois virou estado da federação, continua habitado por cearenses e seus descendentes. Desse novo pedaço do Brasil saíram pessoas importantes que se destacaram nacionalmente. Entre eles o jornalista Armando Nogueira, o poeta Thiago de Melo, o médico Adib Jatene, o coronel Jarbas Passarinho e o ambientalista Chico Mendes. Há pouco tempo o cineasta Pedro Jorge de Castro foi a Xapuri fazer uma palestra. Num restaurante, o garçom puxou conversa:

- O Sr é de onde mesmo?

- Sou do Ceará, respondeu o cineasta. 

E o garçom encerrou a conversa: 

- Ah, pensei que fosse de fora.

 

EM UMA ELEIÇÃO

 


Wilson Ibiapina

 

Estava conversando com o jornalista Carlos Henrique de Almeida Santos sobre a “guerra” que vivemos à véspera da última da eleição presidencial. Conversa vai, conversa vem, o jornalista baiano lembrou-se de uma história que Toninho Drummond contava. 

Ocorreu na eleição de 1960, em Minas Gerais, um colega dele, alucinado por política, mas que nunca se definia, pois queria estar de bem com quem estivesse no poder, seguia o lema daquele político: “melhor do que esse governo só o próximo”. 

O tal jornalista, com a camisa de campanha do candidato, visitava diariamente os comitês de propaganda de Magalhães Pinto e Tancredo Neves. No dia que saiu o resultado das urnas, ele foi o primeiro na fila de cumprimentos. Chegou perto de Magalhães Pinto e foi logo exclamando: 

- Que luta, que luta meu governador. Mas sabia que íamos conseguir. 

Ao abraçá-lo, o novo governador foi falando ao seu ouvido: 

- Quero você no Palácio da Liberdade na minha posse. Não me falte.

O malandro jornalista, se mostrando bastante emocionado: 

- Puxa, governador, peça outra coisa. Assistir sua posse será impossível. Não estarei aqui em BH.

- Pra onde você vai, logo no dia da posse?

- Governador, estarei seguindo para Aparecida do Norte. Vou pagar a promessa que fiz pra sua vitória.

Que luta, que luta!!!

 

domingo, 11 de setembro de 2022

AS BATALHAS DA INDEPENDÊNCIA



Wilson Ibiapina

Foram muitas as batalhas travadas no país para que o grito da independência dado por Dom Pedro I, às margens do Ipiranga, fosse ouvido no imenso Brasil. As pessoas, hoje, acham que bastou o grito para consolidar tudo. Muitos, até mesmo no Ceará, no Maranhão e no Piauí, acham que a independência caiu do céu, sem reação dos portugueses. 

Um dos confrontos mais sangrentos da guerra da Independencia foi o combate ocorrido no Piauí. Esse conflito ocorreu em 1823 quando Dom Joao XVI designou o major João José da Cunha Fidié para comandar as tropas portuguesas que iriam garantir parte do norte do país: maranhão, Piaui, Ceará continuasse fiel à Coroa portuguesa. Seria mais uma Guiana. A tropa portuguesa, organizada e com experiência em outras lutas, se posicionou armada de rifles, revolveres, espingardas, canhões e cavalos. Os brasileiros do Maranhão, Piaui e do Ceará armados de foice, facão, enxadas e pedaços de pau entraram na luta com instrumentos simples, não tinham armas de guerra e muito menos experiência. O combate às margens do rio Jenipapo, em Campo Maior, no Piauí, foi dos mais sangrentos. Segundo o escritor Leonardo Mota, foram os piauienses e os maranhenses que apelidaram os cearenses de cabeças-chatas. O Ceará enviara tropas a  fim  de ajudarem as do Piauí e Maranhão. Os soldados cearenses usavam bonés achatados, de onde a alcunha que não mais nos largou. Diz Leonardo Mota que qualquer gracejo de  que temos o crânio chato porque dormimos em redes, não passa de inócua tentativa de chateação.

Foi uma das mais marcantes batalhas travadas na guerra da independência brasileira, e que  consolidou o território nacional.

Os livros de história contam que em poucas horas de embate corpo a corpo, 200 brasileiros morreram, um número superior ao de todas as baixas ocorridas na Independência da Bahia (durante o movimento, que se estendeu por um ano e quatro meses em Salvador e arredores). Houve aproximadamente 150 mortes no lado brasileiro. Os brasileiros perderam a batalha do dia 13 de março de 1823, mas não perderam a guerra.

Os portugueses, em sua maioria mercenários bem treinados, conseguiram furar o cerco e fugiram para Caxias, no Maranhão. Não resistiram as táticas de guerrilha dos sertanejos. À noite quando a tropa portuguesa dormia exausta, após o combate do Jenipapo, cearenses, piauienses e maranhenses, maioria de camponeses, lavradores acostumados apenas a lidar com a terra, foram no peito e na raça até onde estavam os invasores. Num assalto de surpresa ao acampamento militar, eles se apoderaram dos armamentos e da munição, de dinheiro e bagagem do Major Fidié. Soltaram os cavalos e cercaram o caminho para Oeiras, forçando o comandante português a se retirar do Piauí. Foram cercados e expulsos do Brasil em Caxias, no Maranhão. Hoje, em Campo Maior, tem um museu contando toda a história, inclusive exibindo foices, machados e pedaços de paus usados pelos bravos nordestinos para expulsar os portugueses e garantir a extensão do território brasileiro. Foram muitas batalhas até se chegar ao final, para que todos soubessem do grito de D.Pedro.

Muitos historiadores garantem que a verdadeira independência do Brasil ocorreu no dia 2 de julho de 1823, na  Bahia . Foi quando a cidade de Salvador amanheceu quase deserta. O Exército português estava acabando de abandonar a Bahia definitivamente. Há quem diga que naquela manhã o Sol brilhava. Até hoje os baianos festejam.

BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA



Wilson Ibiapina

No Brasil sempre foi assim, prevalece a versão oficial, a história de quem conta e não de quem faz . Alguns livros já contestam a versão oficial de que foram os portugueses os primeiros a chegar. Já existem livros, como o que foi escrito pelo jornalista Rodolfo Espínola,  que narra a chegada do navegador espanhol Vicente Pinzón, no inicio do século XVI, no litoral cearense, três meses antes de Pedro Álvares Cabral. Os livros que as escolas indicam para seus alunos continuam dando  os créditos da descoberta para os portugueses desembarcando na Bahia. Não levantam uma só dúvida. 


Agora , nas comemorações dos 200 anos das independência, a principal responsável pelo acontecimento fica esquecida nas homenagens. Todo mundo sabe quem foi Maria Leopoldina da Áustria, a arquiduquesa da Áustria  a primeira esposa do Imperador D. Pedro I e Imperatriz Consorte do Brasil de 1822 até sua morte, também brevemente sendo Rainha Consorte de Portugal e Algarves entre março e maio de 1826. Teve sete filhos, um deles, dom Pedro II, herdeiro do trono brasileiro e imperador aos 14 anos de idade. Poucos lembram de seu papel de fundamental importância para a independência do Brasil.


Corria o ano de 1822 quando algumas províncias ameaçavam entrar em guerra contra o Principe-Regente. Dom Pedro foi a São Paulo para tentar garantir o apoio dos paulistas à sua causa. Dona Leopoldina assumiu a regência interina. Foi quando chegou carta de Portugal exigindo que Dom Pedro retornasse imediatamente para assumir o reino em  Portugal.

Como conta os livros de história, Dona Leopoldina convoca o Conselho de Estado. “Durante a reunião, entendem que esta atitude é uma manobra para que o Brasil perca seu status de Reino Unido e voltar à condição de colônia.”

Dona Leopoldina assina o decreto de independência do Brasil em 2 de setembro de 1822. Em seguida, manda uma carta a Dom Pedro contando os fatos e reafirmando que era o momento de  romper com Portugal. Mesmo com o coração, perdido de amor pela amante Domitila, dom Pedro aceita a ponderação da esposa e cinco dias depois de enviada  e proclama a independência que até hoje não se sabe se ocorreu o brado que a história conta.

Agora, pela primeira vez, o coração de Dom Pedro sai do sarcófago da igreja da Lapa, na cidade do Porto e é trazido para o Brasil para as comemorações dos 200 anos da independência. Nem uma só palavra sobre dona Leopoldina.

O jornal Correio Braziliense publica artigo do maestro Jorge Antunes, professor aposentado da UnB, reclamando que dona Leopoldina é apagada da história quando o teatro municipal do Rio monta a Ópera Domitila, a marquesa de Santos, de João Guilherme Ripper, enquanto sua ópera composta em homenagem a Dona Leopoldina continua na gaveta. Há quem diga que o coração dele pertencia mesmo à amante que viveu no Palácio de São Cristóvão como dama de honra de sua esposa. Humilhada e sem o reconhecimento público de seu feito heroico que nos libertou de Portugal.

A revista Veja publica a opinião do pesquisador Paulo Rezzutti, que acha um exagero trazer o coração para festejar os 200 anos da independência: “é um carnaval macabro, um evento efêmero que a nada serve. Trazer um órgão humano dentro de um vidro, expô-lo em Brasília e dizer que esse é o grande evento comemorativo do bicentenário é trágico.” Tenho a impressão que seria mais oportuno concentrar as homenagens à Imperatriz que morreu dia 11 de dezembro de 1826 com apenas 29 anos de idade.

domingo, 7 de agosto de 2022

O BAIANO QUE ESTUDAVA A LUA

 Wilson Ibiapina


Ubirajara Pereira Brito

Morre em Vitória da Conquista o cientista baiano  Ubirajara Pereira Brito. Foi nessa quarta feira, 20 de julho, dia do amigo. Era físico nuclear, poeta, cozinheiro e boêmio. Bom de papo e de copo.  Nasceu em Tremendal e estava com 88 anos. O conterrâneo dele, Carlos Henrique de Almeida Santos, foi quem me apresentou ao Bira num final de tarde no  bar do Piantela, um antigo restaurante que existia em Brasilia.

O mais notável cientista que conheci. Era conhecido mundialmente. Foi professor  da Faculdade de Ciências de Orsay da Universidade de Paris e pesquisador titular do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), entre 1971 e 1974. Na Rússia passou também pelas universidades de Moscou e de São Petersburgo. Autor de alguns livros e um grande entusiasta da educação. Foi ministro de Ciência e Tecnologia no Governo Sarney e presidiu o CNPQ. 

 

Seu nome está relacionado entre os cem cientistas mais importantes do mundo no século XX . Mesmo perseguido político pela ditadura militar de 64, que o levou ao exílio na França, junto com seu amigo Oscar Niemeyer, chegou a ser convidado pela Nasa para examinar as pedras trazidas da Lua pela missão espacial norteamericana.


A profunda admiração que tinha pelas mulheres chegou a lhe causar problemas sérios. Um dia em Paris, quando varava as noites trabalhando em uma tese, sua mulher descobriu que tinha uma namorada. Enfurecida pegou as mais de cem folhas de sua tese que estavam datilografadas e jogou tudo pela janela do apartamento. Só lhe restou olhar pela janela, para ver as folhas voando carregadas pelo vento rumo ao Rio Sena.


Oscar Niemeyer ao lado do amigo Ubirajara

Uma outra história que ele gostava de contar envolve seu amigo Oscar Niemeyer. O arquiteto tinha tanto medo da morte que evitava viajar de avião. Quando estava com uns 90 anos perguntou ao seu amigo físico se o mundo ia mesmo acabar. Bira explicou que a terra ia esfriar congelando tudo e a todos. Mas teve o cuidado de tranquilizar o amigo informando que só ocorrerá  daqui a bilhões de anos. Oscar, com uma cara de preocupação e desespero só exclamou: 


- Estamos lascados, Bira!

Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina