domingo, 27 de julho de 2014

O BRASIL E OS TURISTAS



Wilson Ibiapina

A copa da Fifa serviu para mostrar ao mundo o nosso poder de improvisação, visto pelos visitantes como a grande arte do brasileiro. Muita gente deste mundo de meu Deus achava que ia encontrar apenas índios, cobras, macacos e mulheres viciadas em sexo. Quebraram a cara quando se depararam com a beleza natural do Rio, com a arquitetura de Niemeyer, os espaços de Brasília, as praias do nordeste, nossa música, a diversidade de ritmos, o sabor da rica culinária, a cordialidade do povo.

O tratamento que os estrangeiros receberam encantou a todos. Prestaram atenção em tudo, até na nossa mania de tomar banho diariamente, coisa que a maioria deles não faz. Além de limpos somos higiênicos. Não tocamos a comida com a mão, usamos guardanapo. Escovar os dentes após as refeições é outro costume que deslumbrou a francesa Nathalie Touratier. Almoço como principal refeição do dia virou exemplo para holandeses ingleses e neozelandeses.

O jeitinho brasileiro foi visto com admiração pelos turistas . A importância que damos à família chamou, também, a atenção dos visitantes. Acompanhavam atentos os avós passeando nas ruas e praças com filhos e netos. O abraço entre amigos ou até desconhecidos foi lembrado por muitos visitantes que não estavam acostumados a tamanha confraternização. Lá fora o abraço só é dado entre a família. Na Ásia, chineses, coreanos e japoneses nem se tocam. O cumprimento é feito à distancia. O atendimento no comércio, com os vendedores acompanhando, oferecendo produtos, é outro ponto forte do Brasil que eles destacam como profissionalismo e cordialidade. E as festas? As pessoas movidas à caipirinha, que virou paixão dos gringos, só vão pra casa pela manhã, quando o Sol já ilumina tudo.

Mas nós, também, nos encantamos com os turistas que deixam por aqui alguns ensinamentos. Os brasileiros, por exemplo, ficaram impressionados com os japoneses catando lixo nos estádios após os jogos.

Nas redes sociais, dizem que gostaram tanto que vão tomar uma atitude. Nos próximos jogos cada brasileiro vai levar um japonês. Agora, sem brincadeira, a vinda dos turistas, além da grana que deixam por aqui, serviu para mostrar como se comportam pessoas com costumes tão diferentes.

A maior prova da impressão que os estrangeiros causaram está na matéria que O Globo publicou. O repórter Rubem Berta, conta que depois de um jogo da Copa, no Castelão, em Fortaleza, encontrou um garoto de uns dez anos vendendo balas na porta do hotel onde estava hospedada a seleção da Costa do Marfim. O garoto ajuda a mãe desempregada:

- E aí garoto, o que você quer ser quando crescer?


Pensando que ele ia dizer que queria ser jogador de futebol, ficou surpreso com a resposta: 

-  Quando eu crescer quero ser turista. Eles falam inglês, não falam?

MENINAS NÃO BRINCAM DE RODA, MENINOS NÃO JOGAM PIÃO



Emerson Sousa

Ao recordar "Meus Oito anos" de Casimiro de Abreu  (ABAIXO) , voltei por momentos ao passado. Minha infância e adolescência no Rio, na Praça São Salvador, no Flamengo. Tempos que não voltam mais.

Ah, como meninos sabiam viver a vida! Desfrutar da natureza, das brincadeiras sadias e das amizades sinceras. Um menino sempre confiava em outro menino.

Ouvia-se, na pracinha: "Pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão"... Eram as meninas brincando de roda. O canto se misturava ao "marraio feridô sou rei", dos meninos agachados no "bola ou búlica" das gudes coloridas.
Jogava-se "finca" e "pião". Corria-se nas "cabras-cegas", pulava-se "carniça"  e suava-se no "mãe da rua".

Menino subia em árvore, jogava bola de meia, tirava marisco das pedras, pegava cocoroca no anzol. As manhãs eram mais azuis e as tardes mais coloridas. Parecia que se tinha não uma, mas duas ou três vidas! 

Era um tempo de ventura e aventuras...

Meninos eram donos de montadoras de carrinhos de rolimã.
Se aventuravam, à noite, até estrada do Corcovado abaixo...
Meninas tinham hospitais, enfermarias e escolas de bonecas.

Tempos também de engraçadas e maldosas sacanagens:
de amarrar nota de um mil réis e deixar na calçada para um bobo qualquer tentar pegá-la, enquanto ela era arrastada à cada tentativa.

Tinha molecagens até perigosas. Uma artimanha maldosa dessas, era fingir que a caixa vazia de 24 picolés da Kibom era uma bola.  

Ela era colocada no meio da calçada. Um moleque ficava de frente para outro. Entre eles, a caixa com a boca virada para baixo. Um se postava curvado, se fingia de goleiro. O outro simulava que ia bater um pênalti.  

Assim que se avistava a vítima vindo por detrás do que ia chutar a caixa, o goleiro ficava gritando: "Aqui não faz gol não, aqui não!"  E uma platéia de moleques fazia côro: "Vai perder, vai perder!" Isso era fatal. O passante, sempre bancando o engraçadinho, vinha correndo por detrás do moleque que ia chutar e chutava a caixa primeiro. 

Só que embaixo  dela escondíamos um puta de um paralelepípedo daqueles soltos da nossa rua. O tropicão e a queda eram infalíveis. Era uma tremenda sacanagem, coisa de moleque irresponsável.

Naquele tempo, no Rio, senhores de idade usavam chapéu. Quantas vezes amarrávamos em dois a três locais diferentes uma fina linha de costura do poste ao muro, na altura da cabeça de uma pessoa mediana. Ao passarem, esses velhinhos  tinham o chapéu derrubado. Olhavam, não viam nada, se assustavam e o colocavam novamente na cabeça. Dois a três passos adiante o chapéu era derrubado de novo. Nada entendiam além das nossas risadas.

Nossa praça  era ponto final de várias linhas de ônibus. Ali se formavam imensas filas de pessoas que iam para o trabalho.

Com um cabo de vassoura  na mão - metade sujo de bosta de cachorro- um moleque fingia brigar com outro enquanto o resto da molecada fazia coro gritando "porrada! porrada!" 

A turba se aproximava da fila onde senhores de terno e gravata e mulheres bem arrumadas aguardavam a subida no veículo. Os dois brigões, já junto da fila,  aumentavam a encenação. Sempre se movimentando, como se um fosse partir para cima do outro, se aproximavam da fila. Trocavam insultos.  Nisso, o que estava sem o cabo de vassoura gritava para o opositor: "Se é homem, largue o pau e vem na mão!"

O outro, de imediato, respondia, "Ah, é?"  E rapidamente virava para alguém da fila e  dizia:  "Segura aqui!"  E estendia o cabo de vassoura.

A vítima, surpresa e pega de supetão, segurava o pau. Nisso, o moleque puxava de uma vez o cabo e deixava o coitado com a mão toda suja de bosta. Todos corriam em seguida às gargalhadas, enquanto o coitado deixava a fila em busca de um lugar para lavar a mão ouvindo risadas de outros passageiros.

À noite, tínhamos atividade diária entre 7  e 8 horas.Na parte de serviço do prédio, pelo vitrô da escada,  nos debruçávamos para ver mulher trocar de roupa. Afrouxávamos a luz do andar e, às escuras, não éramos visto. Fazia fila de menino para ver "Carminha", uma esguia aeroviária. Era a paixão geral da molecada. Passeava de um lado a outro do quarto totalmente pelada. Arrancava suspiros que, algumas vezes, quase nos denunciavam. O autor era expulso e ficava proibido por uma semana de voltar ao espiódromo.

Ó que saudades que tenho da vida levada pelos moleques do meu tempo. Não existiam computadores, jogos eletrônicos smartphones, tablets ou celulares.  

Mas, inventávamos a bola de meia. Tínhamos  pião, gude, finca, perna-de-pau, pipas, carrinho de rolimã, bate-bate, corrida de saco, telefone de cordel,bilboquê, jogo de botão, ioiô, mamãe posso ir, boca de forno,  passa anel, peteca, polícia e ladrão, amarelinha e até figurinha para bater.

Não perdíamos tempo como se perde hoje por horas diante de uma telinha  de celular.  O tempo é que era curto demais para nós. Éramos do mundo.

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Meus oito anos - Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar, um lago sereno,
O céu, um manto azulado,
O mundo, um sonho dourado,
A vida, um hino de amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado de estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
Pés descalços, braços nus,
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

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Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

MATHEUS NACHTERGAELE ESCREVE CARTA PARA ARIANO SUASSUNA





E Ariano arrodeia o céu

Digam logo que é mentira. Desdigam essa bestagem de que a morte é de verdade verdadeira. Falem, aí, que num tem literatura se acabando em choro, num tem caba macho das letras se arriando ao contrário pro meio céu.

Oxe. Avisem que ele é pai de Chicó, que brinca de morrer, morre, desmorre e ressuscita com a gaita de João Grilo… Depois corre pra dançar. Dançar com as palavras

Chamem a Compadecida para dar colo ao nosso susto. “Mainha, a gente não quer ser filho de um mundo sem o talento monstruoso de um homi assim”.

Cabô o pantim. Cabô o aperreio. Nosso mestre não deu pinote. A vida nao foi pirangueira nos seus 32 mil dias de reinação.

Foi tudo graça pra nos fazer Severino de besta. Foi fuleragem, foi gaiatice. E deixem um cotôco de esperança pra gente soluçar.

Toquem o clarim. Tenham misericórdia do nosso egoísmo. Manguem que a gente quase que quase acreditou. Os gênios jamais morrem.

Ave Maria. Ave José. Que cordel triste se fez hoje. Chora a cachorrinha. Chora a mulher do padeiro. Chora quem arrastou com ele um sotaque tão nordestino e um tão nordestino coração. Chora o Movimento Amorial. Chora de novo a mulher chorona do padeiro. Chora seu Manoel, chora Rosinha, chora o gatilho do cangaceiro.  Chora, quietinha, a Academia Brasileira de Letras. Choram os livros. Choram os palcos. Choram até os grilos, seus homenageados.

O céu, meu pai, faz zuada, sorri feliz e se enche de causos. De palhaços, da mulher vestida de Sol. Se enche das  harpas de Sião e dos homens de barro. Se enche de amor. De humor. O céu inteiro corre. E sua… ssuna.

O santo. A porca.

O homem da vaca.

O príncipe de Sangue.

A Caseira. A Catarina

Fernando e Isaura.

A onça Caetana.

Nas conchambranças de Quaderna… Se danam a rir e a chorar.

Corta.

No último do penúltimo ato, o paraibano-pernambucano abre o olho pra reclamar: “Deixe já dessa frescura.  Eu sou eterno quando lido, e lido bem com isso.  Esse negócio de eternidade deve cansar”.

Mas a gente segue agoniado, abuticado… E olho dele volta a fechar.

Corta.

“João! João! Morreu! Ai meu Deus, morreu pobre de João Grilo! Tão amarelo, tão safado e morrer assim! Que é que eu faço no mundo sem João? João! João! Não tem mais jeito, João Grilo morreu. Acabou-se o Grilo mais inteligente do mundo. Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. Que posso fazer agora?”.

Que posso fazer agora?

Que posso sentir agora?

Que posso dizer agora?

Que posso contar agora se não dessa orfandade que hoje me pariu?

…Não sei. Só sei que foi assim.

ARIANO SUASSUNA ANALISA A BANDA CALIPSO

UMA INVASÃO INÉDITA




Wilson ibiapina

Foi graças a Copa que o brasileiro tomou conhecimento dos nossos vizinhos. Como se não bastassem as barreiras da língua, dos Andes e da selva amazônica para nos afastar, as nossas cidades estão na beira dos oceanos: lá no pacifico e aqui no atlântico. 

O brasileiro tem paixão pelos colonizadores europeus, o que nos leva a agendar viagens ao velho continente, deixando a América do Sul quase no esquecimento. A Copa fez com que todos esquecessem as rivalidades regionais e marcassem encontro no Brasil, país que eles também não conheciam. Mais de 450 mil latino-americanos bateram pernas de norte a sul. Comeram e beberam com tanta desenvoltura que pareciam nativos, Curtiram as cidades, as pessoas,a comida, a música, com tanta intensidade que nem a língua atrapalhou a integração. Muitos se apaixonaram e prometem voltar. O portunhol falado fez lembrar que desde o surgimento do Mercosul nós devíamos estar aprendendo espanhol. 

Muita gente não sabia que a Colômbia tem a segunda maior população da América do Sul, só perde para o Brasil. Que lá é a terra do café, das esmeraldas, da coca, da guerrilha e que é a pátria de Gabriel Garcia Marques, prêmio nobel de literatura. São de lá também a cantora Shakira, o atacante James Rodriguez e o lateral Zuñiga, que fraturou uma vértebra de Neymar. Não fosse essa Copa, não teria ficado sabendo que a pequena Costa Rica, com sua surpreendente seleção, na América Latina só perde para o México na competitividade em viagens e turismo. É o único país da América Latina incluso na lista das 22 democracias mais antigas do mundo e que lá, desde 1948 não existe exército. 

Olha só o exemplo que o presidente da Costa Rica nos passa: Luís Guillermo Solís baixou decreto acabando com o culto a personalidade. Proibiu que coloquem o nome dele em placas de inauguração de obras públicas. Pontes, rodovias e edifícios entregues em seu mandato não terão o seu nome. Ele veta também o uso do seu retrato em repartições do governo. Diz que o culto da imagem do Presidente acabou na Costa Rica, pelo menos no seu governo.

Foi uma troca geral de informações, conhecimentos. Os encontros amistosos em bares, praias, praças e no comércio pareciam que todos não estavam aqui como rivais para torcer por seus times. As barreiras geográficas sumiram. Como disse o sociólogo inglês David Goldblatt, a “Copa do Mundo virou uma festa de debutante para a classe média latino-americana.” 

Foi o futebol que fez toda essa gente descobrir o Brasil.  Os argentinos, depois dos mexicanos e colombianos,  foram os que mais se sentiram à vontade. Ocuparam os estádios, nossas cidades, as ruas e as praias, Tomaram banho de sol, de mar e pegaram nossas garotas. Como se achassem pouco ainda tentaram levar a Taça. A Copa trouxe também africanos, asiáticos, europeus e norte americanos que, com os brasileiros e latino americanos, transformaram o país num ponto de encontro de culturas de todo mundo, numa grande confraternização. Acho que todos se sentiram em casa.

JOÃO UBALDO RIBEIRO - BAIANO BOM DE PROSA





Entre as suas obras mais famosas estão “Viva o povo brasileiro”, “A arte de roubar as galinhas”,“Sargento Getúlio”, “O sorriso dos lagartos” e “A casa dos budas ditosos”.Em 2008, o escritor ganhou o prêmio Camões, considerado o mais importante da literatura brasileira. Além de escritor, era jornalista, roteirista, advogado e professor.

João Ubaldo achava Fernando Henrique Cardoso um sociólogo mediocre: “Porque ele é um sociólogo medíocre. Eu sou do campo. Eu sou... eu fui professor de ciência política, li os livros dele, e você não tem nos livros dele nenhuma contribuição significativa para o pensamento sociológico brasileiro. É um sociólogo medíocre”.

O VÍCIO

João Ubaldo tinha sérios problemas com o álcool. O escritor, que começou a beber aos 53 anos, chegou a frequentar o grupo Alcoólicos Anônimos e conseguiu superar o vício com ajuda da religião. “Foi uma luta de oito anos, complicadíssima. Tudo começou com uma depressão, em 1994, quando voltei da Copa do Mundo dos Estados Unidos. Uma depressão sem motivo, mas eu caí de cama, só não quis me suicidar. Tomei todos os remédios possíveis. Eu, que já bebia bastante, tentei curar a depressão com álcool, que é a pior burrice que alguém pode fazer”, contou em entrevista à revista Veja. Ele era o 7º ocupante da cadeira número 34 da Academia Brasileira de Letras desde 1993, quando se tornou sucessor do piauiense Carlos Castello Branco.Candidato à Academia Brasileira de Letras teve que visitar os imortais em busca de voto. Certo dia, já na terceira visita, doido pra tomar uma e só lhe ofereciam chá, café. E aí ele armou. Ao chegar ao apartamento de um imortal foi logo dizendo: - O Thómas pediu-me para lhe dar um abraço. - Que Thómas? - Ah, eu tomo uísque com gelo.

Dizia ele : “ Bebida não é tratamento para nada. E isso eu comprovei através do estado a que eu cheguei, fiquei inchado, fiquei... praticamente imprestável alguns meses. E procurei ajuda."   Em entrevista ao Roda Viva, Marcelo Rubens Paiva: perguntou se ele já escreveu de porre e percebeu que é melhor do que lucidamente?

João Ubaldo Ribeiro: “Não, eu acho escrever de porre absolutamente impossível. Quer dizer, possível, fisicamente, é. Mas só sai porcaria. [apontando para si] Na minha experiência. Eu já escrevi de porre pouquíssimas vezes, porque acabei desistindo logo quando vi o resultado. É... A ponto de chorar de emoção com a beleza e a grandeza literária do texto que eu estava fazendo, para no dia seguinte, descobrir que se tratava de um delírio de bêbado, uma besteirada completamente asnática.

CIGARRO


Ele conta que começou a fumar por causa de uma namorada. Ele tinha 15 anos e ela 16. Na época ele detestava cigarro. Um dia, ela falou para uma amiga: “"Você tem um cigarro aí?" - eu me lembro do nome das duas, mas não vou citar, evidentemente. Disse a outra: "Você tem um cigarro aí?". A outra disse: "Tenho.". Ela fez "É, porque aqui é ao contrário: o homem não fuma e a mulher fuma.". Eu achei que ela estava agredindo minha... minha masculinidade, e achei que estava realmente, que eu era um efeminado... .. e comprei uma carteira de Columbia, um maço de Columbia, ao sair da casa dela, nesse mesmo dia. E passei cerca de uns dois meses me forçando a fumar, até que me viciei. Até hoje. João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro, baiano da Ilha de Itaparica,estava em casa no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro,  no momento em que teve uma embolia pulmonar. Foi na madrugada da sexta feira, 18 de julho de 2014 que ele morreu aos 73 anos.

VESTIBULAR



É uma imensa perda a morte do maravilhoso escritor e acadêmico baiano João Ubaldo. Aqui uma pérola enviada pelo amigo Emerson Sousa:

"Vestibular de verdade era no meu tempo. Já estou chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de bom era no meu tempo; meu e dos outros coroas. Acho inadmissível e mesmo chocante (no sentido antigo) um coroa não ser reacionário. Somos uma força histórica de grande valor. Se não agíssemos com o vigor necessário — evidentemente o condizente com a nossa condição provecta —, tudo sairia fora de controle, mais do que já está. O vestibular, é claro, jamais voltará ao que era outrora e talvez até desapareça, mas julgo necessário falar do antigo às novas gerações e lembrá-lo às minhas coevas (ao dicionário outra vez; domingo, dia de exercício).

O vestibular de Direito a que me submeti, na velha Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias: português, latim, francês ou inglês e sociologia, sendo que esta não constava dos currículos do curso secundário e a gente tinha que se virar por fora. Nada de cruzinhas, múltipla escolha ou matérias que não interessassem diretamente à carreira. Tudo escrito tão ruybarbosianamente quanto possível, com citações decoradas, preferivelmente. Os textos em latim eram As Catilinárias ou a Eneida, dos quais até hoje sei o comecinho.

Havia provas escritas e orais. A escrita já dava nervosismo, da oral muitos nunca se recuperaram inteiramente, pela vida afora. Tirava-se o ponto (sorteava-se o assunto) e partia-se para o martírio, insuperável por qualquer esporte radical desta juventude de hoje. A oral de latim era particularmente espetacular, porque se juntava uma multidão, para assistir à performance do saudoso mestre de Direito Romano Evandro Baltazar de Silveira. Franzino, sempre de colete e olhar vulpino (dicionário, dicionário), o mestre não perdoava.

— Traduza aí quousque tandem, Catilina, patientia nostra — dizia ele ao entanguido vestibulando.
— "Catilina, quanta paciência tens?" — retrucava o infeliz.
Era o bastante para o mestre se levantar, pôr as mãos sobre o estômago, olhar para a platéia como quem pede solidariedade e dar uma carreirinha em direção à porta da sala.

— Ai, minha barriga! — exclamava ele. — Deus, oh Deus, que fiz eu para ouvir tamanha asnice? Que pecados cometi, que ofensas Vos dirigi? Salvai essa alma de alimária. Senhor meu Pai!

Pode-se imaginar o resto do exame. Um amigo meu, que por sinal passou, chegou a enfiar, sem sentir, as unhas nas palmas das mãos, quando o mestre sentiu duas dores de barriga seguidas, na sua prova oral. Comigo, a coisa foi um pouco melhor, eu falava um latinzinho e ele me deu seis, nota do mais alto coturno em seu elenco.

O maior público das provas orais era o que já tinha ouvido falar alguma coisa do candidato e vinha vê-lo "dar um show". Eu dei show de português e inglês. O de português até que foi moleza, em certo sentido. O professor José Lima, de pé e tomando um cafezinho, me dirigiu as seguintes palavras aladas:

— Dou-lhe dez, se o senhor me disser qual é o sujeito da primeira oração do Hino Nacional!
— As margens plácidas — respondi instantaneamente e o mestre quase deixa cair a xícara.
— Por que não é indeterminado, "ouviram, etc."?
— Porque o "as" de "as margens plácidas" não é craseado. Quem ouviu foram as margens plácidas. É uma anástrofe, entre as muitas que existem no hino. "Nem teme quem te adora a própria morte": sujeito: "quem te adora." Se pusermos na ordem direta...
— Chega! — berrou ele. — Dez! Vá para a glória! A Bahia será sempre a Bahia!

Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse professor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia e me designassem para a banca de português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças pálidos e trêmulos diante de mim. Uma bela vez, chegou um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante, paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou a responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no texto uma frase em que a palavra "for" tanto podia ser do verbo "ser" quanto do verbo "ir". Pronto, pensei. Se ele distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.

— Esse "for" aí, que verbo é esse?
Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.
— Verbo for.
— Verbo o quê?
— Verbo for.
— Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo.
— Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido. — Nós fomos, vós fondes, eles fõem.

Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve ter acabado passando e hoje há de estar num posto qualquer do Ministério da Administração ou na equipe econômica, ou ainda aposentado como marajá, ou as três coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido do que hoje e, nos dias que correm, devidamente diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu? Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele fõe."


João Ubaldo Ribeiro



LUTO

Após o luto por tantas perdas irreparáveis, o Conversa Piaba retorna à rotina com as devidas homenagens. 

Aqui, Wilson Ibiapina na redação da TV Brasil no dia em que o país perdeu João UIbaldo, baiano que ocupava a cadeira que foi do piauiense Carlos Castelo Branco na ABL.


ISSO SIM SÃO FOGOS DE ARTIFÍCIO

Esta cidade, Província de Hunan, é onde os fogos de  artifício foram inventados e o show nunca foi igualado pelo Ocidente. 


Os chineses não são apenas os inventores dos  fogos de artifício, eles  ainda são os mestres.


Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina