terça-feira, 7 de dezembro de 2021

O REPÓRTER QUE LEVOU O SOTAQUE NORDESTINO PRA TV




Wilson ibiapina


Éramos três cearenses no telejornalismo da TV Globo: Francisco José ficava em Recife, eu em Brasília e o Luiz Edgar de Andrade no Rio. O mais conhecido é o Francisco José. Ficou famoso apresentando na televisão mais de duas mil reportagens feitas nos cinco continentes. 


Ele sai da emissora onde trabalhou mais de 40 anos mas fica na admiração dos brasileiros. O repórter gaúcho, Marcelo Canellas, exalta na orelha do livro do Chico José “40 anos no ar”,  a coragem desse cearense que se criou em Pernambuco, onde ingressou no jornalismo. Pense num cabra corajoso. Marcelo lembra do Chico José enfrentando pistoleiros, sequestradores, escalando cordilheiras, mergulhando nos oceanos, andando nas selvas, salvando índio. Espalhou pela televisão o sotaque nordestino. José Hamilton Ribeiro, outro jornalista destemido, escreveu que o  fenômeno Chico José ganhou dimensão nacional “pelo seu carisma, emoção e calor humano na narração, adornada por autêntico e valorizado acento nordestino”. 


Lançamento do livro 40 Anos No Ar

Num tempo em que a Globo queria padronizar a forma de falar de seus repórteres, fazendo prevalecer o chiado do s carioca, Chico José conseguiu impor o sotaque nordestino. Cheguei a acompanhá-lo em uma de suas viagens internacionais. Fomos pra Ásia cobrir a visita do Papa João Paulo II. Na época, quando não existia um só santo brasileiro, o Papa canonizou 130 coreanos de uma só vez, em Seul. Eram católicos perseguidos e queimados em fogueiras públicas. 


Chico José e Wilson Ibiapina na cobertura do Papa na Ásia


Fez matéria, também sobre a divisão da Coreia e os preparativos para os jogos olímpicos que ocorreram na Coreia do Sul.


Numa época em que só se falava em carnaval carioca, grande passarela das escolas de samba, Chico José mostrou ao país que Recife e Olinda tem frevo e bloco na rua. O carnaval pernambucano entrou no mapa turístico do país e até hoje a Bahia  corre para provar que atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu. Chico José, em Recife e José Raimundo, em Salvador, faziam um verdadeiro duelo para mostrar quem era o melhor. O carnaval nordestinos saiu ganhando.


No seu livro de memórias, Francisco José diz que “nem tudo dá certo em nossas missões”. Lembra que  vexames são frequentes, como cair da corda do rapel. Virar com o barco nas corredeiras de um rio, ir a Roraima quando a matéria era em Rondônia. E sai contando situações inusitadas, verdadeiros micos da profissão. A fama nunca lhe subiu à cabeça. Sempre se achou “um repórter rústico, matuto, de sotaque  sertanejo, enraizado na cultura nordestina.”


Lembra no livro que aprendeu com dois jornalistas da sua cidade do Crato. “Humberto Cabral e Antônio Vicelmo, que se destacaram na profissão. Mas nunca deixaram o pé de serra onde vivem e atuam até hoje”.


O repórter de 77 anos  usou a postagem na rede social para agradecer o carinho dos colegas e fãs. Revelou que não tem feito outra coisa, desde que foi anunciada a sua saída da Globo, a não ser, responder chamadas no WhatsApp, no Instagram, no e-mail e no celular. Mensagens carinhosas, de reconhecimento, carinho, muito afeto, além de tristeza e algumas de revolta", contou ele :


 – Sem dúvida, sou o desempregado mais enaltecido, nas últimas 32 horas. Não podia imaginar que tivesse tantos amigos pelo Brasil a fora. Mas quero tranquilizar a todos. Estou bem. Certamente, vou procurar outra Redação.


Família Ibiapina no lançamento do Livro de Chico José


domingo, 3 de outubro de 2021

HEBDOMADÁRIOS CEARENSES



 Wilson Ibiapina

Jornais de pequenas cidades do interior do Ceará, principalmente no século passado, sempre se manifestavam em defesa de causas internacionais. O dono do jornal, na maioria semanários,  procurava impor seu ponto de vista, chamando a atenção dos litigantes.  Sem satélite, as comunicações eram difíceis, as notícias chegavam com atraso, mesmo assim os jornais interioranos não deixavam passar em branco as   que mais repercutiam. 


Em Ubajara, na Serra da Ibiapaba, em 1910, o jornalista Manoel Miranda, que sempre comentava os principais  acontecimentos do país, apareceu no mês de junho de 1910 dizendo: "O nosso Serrano, poderá bipartir-se no ardor de refregas desiguais, poderá  fragmentar-se no reencontro  de arbitrariedades odiosas e inconfessáveis, mas nunca amoldar-se-á aos caprichos de estranhos". A raiva toda é que ele ficou sabendo que uns argentinos tinham rasgado a bandeira brasileira. A rivalidade Brasil x Argentina vem bem antes  das disputas em campos de futebol. Antes das brigas para saber quem era o melhor, Pelé ou Maradona? Há quem diga que vem do tempo do Tratado de Tordesilha, quando a Espanha e Portugal resolveram dividir as terras que tinham na América do Sul.  E o jornalista Manoel Miranda, mesmo sem confirmação da notícia, mandou tinta:  “Se assim foi, acabaram de insultar-nos gravemente  e exigimos uma satisfação em regra. Provemos à essa  gente que não somos  nenhuns palermas, mas macaquitos de força e sentimentos patrióticos incontestáveis!”

 

Em outra serra cearense, a de Baturité, durante a segunda grande guerra,  um outro jornal, A Verdade, vociferava contra os nazistas.  O comendador da Igreja Católica,  Ananias Arruda, não perdia  oportunidade  para  criticar Adolf Hitler e o exército alemão, que fez juramento de lealdade ao Chanceler do Reich (chefe de governo) e Führer (chefe do Partido Nazista), palavra que Hitler usou para se designar líder da  Alemanha Nazista. No dia que acabou a  guerra o Comendador publicou uma edição extra de A Verdade. O jornal destacava na primeira página um editorial em que Ananias Arruda dizia:  Hitler perdeu porque não ouviu nossos conselhos. Bem que avisei.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

MAIS LAZER, MENOS TRABALHO



Wilson Ibiapina

O poeta pernambucano, Ascenso Ferreira tinha uma filosofia que ele traduziu em versos: "Hora de comer — comerHora de dormir — dormirHora de vadiar — vadiar! Hora de trabalhar? — Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

Sempre achei um exagero das pessoas que se envolvem de corpo e alma no trabalho. Como todo menino pobre, desde cedo fui trabalhar. Aos 12 anos ajudava meu pai a vender remédios numa pequena farmácia  que ele tinha na rua Meton de Alencar, bem ao lado do Mercado São Sebastião, em Fortaleza. Fazia parte da maioria silenciosa que não trabalha para viver, vive para trabalhar.

O juiz de direito, dr. Porto,pai do professor Tamborini, que morava na Agapito dos Santos, toda tarde, ia a pé de casa até a igreja de Nossa Senhora das Dores, em Otávio Bonfim. Um dia, passando em frente a minha casa, parou para conversar justamente sobre trabalho. Ele aposentado e eu ainda garoto, me dizia: "faça como eu, trabalhe oito horas, se divirta hora e durma oito horas."

Hoje, dei de cara com um velho livro na minha estante: Elogio ao Ócio, do filosofo inglês Bertrand Russel. O que você acha de trabalhar apenas quatro horas por dia e não oito ou dez, como querem os americanos?  Pois é exatamente o que propõe Russel,  que era matemático, também, em artigo que publicou em jornais das Europa e dos Estados Unidos. Ele juntou quinze artigos sobre o tema e publicou sob o título "O Elogio do Ócio".

A orelha da nova edição do livro é do italiano Domenico De Masi, autor do livro O Ócio Criativo. Lembra que os maiores ociosos que se tem notícia são os proprietários de terras na Europa, a maioria ostentando títulos de nobreza, alugando suas terras e colocando a massa ignara para morrer trabalhando por eles. Existem pessoas abastadas que estão convencidos que os pobres não saberiam o que fazer com tanto lazer. Podiam até morrer de tédio. Russel defende que os momentos de ócio, de despreocupação e diversão são importantes na educação dos jovens. Para que o ócio seja acessível a toda população é necessário que o trabalho passe por uma reestruturação baseada nas possibilidades abertas pelo moderno método de produção. Hoje, o homem já é substituído pelas máquinas em várias áreas de trabalho. Em 1935 ele já escrevia que "num mundo em que ninguém tenha de trabalhar mais de quatro horas diárias, todos podem saciar a curiosidade que carregam dentro de si." Acima de tudo, afirmava o filósofo, haverá felicidade e alegria de viver, em vez de nervos em frangalhos, fadiga e má digestão".

Infelizmente, essa ideia de que pobre deve ter direito ao lazer sempre chocou os ricos. O italiano Domenico De Mais, em seu livro O Ócio Criativo, diz que o homem chegou a um ponto de inversão de rota. "Pela primeira vez, após a civilização grega, o trabalho já não representa mais a categoria geral que explica o papel  dos indivíduos e da coletividade. Pela primeira vez, são o tempo livre e a capacidade de valoriza-lo que determinam o nosso destino não só cultural como também econômico".

Há muitos anos que os baianos pensam assim.

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

MINUTO DE SILÊNCIO - CURIOSIDADE



Hoje em dia é comum fazer um minuto de silêncio para homenagear uma pessoa que morreu. Uma prática que já virou tradição em vários países. Fui atrás para saber a origem do minuto de silêncio. Descobri que tudo começou em Portugal em homenagem ao brasileiro Barão do Rio Branco. Está lá na Internet: O ministro dos Negócios Estrangeiros do Brasil era muito querido em Portugal. Foi um dos primeiros estadistas a patrocinar o reconhecimento da República portuguesa, em 1910. José Maria da Silva Paranhos Junior era filho de um diplomata que tinha o titulo de Visconde do Rio Branco. A morte desse carioca no dia 10 de fevereiro de 1912 teve muito impacto no  Brasil. O governo decretou luto e transferiu o carnaval. Só que o folião carioca. nesse ano, brincou duas vezes.


Barão do Rio Branco

Em 13 de fevereiro de 1912, a Câmara dos Deputados Portuguesa, sob a presidência de Aresta Branco, homenageou o Barão do Rio Branco, suspendendo a sessão por meia hora, como era tradição. Mas na reunião do Senado seguinte,  houve inovação na forma de homenagem. O Diário de Notícias informou que o " presidente do Senado, recordou os altos serviços por aquele estadista prestados ao seu país e  que honrou também  as tradições lusitanas da origem da sua família e por tudo isso propôs que durante dez minutos, e como homenagem à sua memória, os senhores senadores, se conservassem silenciosos nos seus lugares.

E assim se cumpriu o primeiro momento de silêncio de que se tem notícia, tradição que se prolongou até aos nossos dias. Depois desta primeira ocasião, sempre que alguém passível de homenagem falecia, o Legislativo português repetia o gesto, tendo, com o tempo, diminuído a duração do silêncio de dez para cinco minutos, e mais tarde para o atual minuto de silêncio.

Não tardou a que as diferentes casas legislativas da Europa copiassem o modelo português, tendo a tradição passado para os mais diversos contextos como forma de homenagem a alguém. Hoje, É muito comum o minuto de silêncio em campo de futebol, antes do inicio de um  jogo. 

LUTO - SOLIMAR DAMASCENO



Nosso querido e amado Solimar, irmão da minha esposa Edilma Neiva, nos deixou no dia 12 de setembro de 2021. Uma perda irreparável de um grande amigo, cunhado, tio, profissional e maravilhoso pai. 

Minha sobrinha Daniela Damasceno, filha do Solimar, publicou em sua rede social uma belíssima homenagem que reproduzimos aqui:

 

Solimar Neiva Damasceno, foi o 7º filho (em 9) do dentista João Gomes Damasceno e da poetisa e professora Genésia Neiva Damasceno. Nasceu em 20 de outubro de 1938, na cidade de Uruçuí, no estado do Piauí, mas mudou-se para Goiânia ainda criança e adotou a capital de Goiás como sua referência.

Formou-se na primeira turma de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UNB), em 1968, tendo grandes mestres em sua formação, tais como Oscar Niemeyer, Lygia Martins Costa, Amélia Toledo e Alcides Rocha Miranda. Porem foi o professor Edgard Albuquerque Graeff com quem mais teve amizade e por quem nutriu enorme admiração.

A arquitetura e, principalmente, o urbanismo foram grandes paixões em sua vida. 

Fundou em 1972, o GRUPOQUATRO, sociedade composta também pelos arquitetos Luiz Fernando Cruvinel Teixeira, Walmir Santos Aguiar e Walfredo Antunes de Oliveira Filho. O GRUPOQUATRO atuou principalmente nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Na cidade de Goiânia, foi onde o escritório seguiu seus primeiros percursos da trajetória, com projetos importantes como o Centro de Atividades do SESI – Vila Canaã (1974), Federação do Comércio do Estado de Goiás (1983-1985), Papillon Hotel (1983-1987), o Terminal Rodoviário (1985-1986) e o Mercado Municipal (1984-1986). Posteriormente ao projeto urbanístico da cidade de Palmas (1988) no estado do Tocantins, passou a conquistar projetos em outros estados, indo além do cerrado goiano (Rezende, 2019). 

Fundou em 1996 o escritório EXTENSÃO ARQUITETURA E DESENHO URBANO, que manteve até os dias atuais e concluiu vários trabalhos importantes, tais como o projeto urbanístico do residencial Aldeia do Vale, levando para a capital goiana um novo conceito em qualidade de vida.

Foi professor da Universidade Católica de Goiás por mais de 25 anos, tendo participado inclusive do processo de criação do curso de arquitetura e urbanismo dessa Instituição no início da década de 1970, juntamente com outros renomados arquitetos, como José Silveira Rezende (de quem era amigo pessoal), Fernando Carlos Rabelo e Roberto Benedetti.

Casou-se pela 1ª vez em 1972 com a socióloga Suely Queiroz , com quem teve duas filhas, a letróloga e tradutora Fabiana Queiroz e a engenheira Daniela Queiroz Damasceno. Em 1982 casou-se novamente com a arquiteta Lucy Mara Toffoli, com que teve um filho, o zootecnista Danilo Toffoli Neiva.  Porem foi com a advogada Teresinha Keglevich de Buzin que dividiu as ultimas décadas e teve seu filho caçula, o estatístico Davi Keglevich Neiva.

Esse homem fantástico, o qual tenho o privilégio e orgulho de chamar de pai, nos deixou hoje. Mas o seu legado de ética, honestidade, companheirismo, profissionalismo e amor, permanecerá em todos aqueles que tiveram a oportunidade de dividir com ele momentos nessa vida. 

Lembrarei sempre do sorriso sincero, do abraço confortante, das ótimas conversas, do prazer em viajar (em especial para temporadas na beira do Rio Araguaia), em dirigir, em pescar ... enfim, o prazer em viver!

Segue em paz, PAIxão!  Vai se encontrar com a Fabi, o Luca, a vó, o vô, os tios (Joanésio, Edinar, Eneida, Magnólia e Etelvina) e os grandes amigos que já se foram (Zezinho, Graeff, Mariza, Marcão, Jairo Oliveira ...). Hoje a festa no céu vai ter muita cerveja gelada, com um peixinho para acompanhar. 


Te amo! 💙


Uruçui (PI) 20/10/1938 – Goiânia (GO) 12/09/2021


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"Estou achando difícil encontrar na minha mente

palavras que fielmente possam bem retratar

aquele garoto vivo, inteligente e ativo, 

mas ... inconstante e esquivo, pois está no sol-e-mar.


Na infância sempre buscava e quase sempre encontrava 

pra fazer um trabalhinho. 

Engraxate, jornaleiro, ou outro qualquer trabalho, 

fazia de tudo o pirralho, era esperto o garotinho.


Na juventude mudou, vacilou no seu caminho 

e só a custo, devagarzinho, continuou a estudar; 

mas depois, voltou ao que era: dinâmico, diligente 

e foi com esforço ingente que conseguiu se formar.


Hoje, sempre na luta, batalhador destemido, 

feliz por ter conseguido, conquistar seu ideal, 

aplainada a sua estrada, sem pedra e sem tropeço, 

pagou da vitória o preço. Tudo está bem afinal” 


(Poema: Solimar. Damasceno, Genésia Neiva. Toda poesia. Editora Trilhas Urbanas, 2017)

sexta-feira, 11 de junho de 2021

UM CEARENSE SURREAL

Wilson Ibiapina


Darcílio Lima ainda jovem, no apogeu criativo


O cantor e Compositor Raimundo Fagner, que também é pintor, foi quem lembrou-me do artista cearense Darcílio Lima, com quem morou num castelo na França. O desenhista, gravador e pintor autodidata nasceu em 1944 em Cascavel, Ceará.  Só alguns intelectuais cearenses conhecem Darcílio Lima, que começou a pintar temas regionais em 1951 em Fortaleza. No inicio dos anos 60 mudou-se para o Rio.  A biografia dele na Internet diz que depois de pintar paisagens e jangadas seguiu-se a fase de nus femininos, tendo aderido, em seguida, ao surrealismo. Em 1966 chegou a ser internado na Casa das Palmeiras, instituição mantida pela psiquiatra alagoana Nise da Silveira. Desde então, ele nunca mais parou de sofrer de distúrbios mentais.

Viajou por vários países, aprofundando seu conhecimento. Mas só ganhou fama e dinheiro depois de participar do Festival de Arte Surrealista, em Londres, quando conheceu Salvador Dali, que ficou fascinado pelo pintor cearense, seu aprendiz e discípulo. Darcílio era considerado uma referência no surrealismo. O jornalista pernambucano Carlos Marques, que mora em Paris, conta que graças ao patrocínio de Dali o pintor cearense passou a viver como um milionário que tomava banho de perfume francês e andava impecavelmente vestido. Cultivava no rosto um bigode bem cuidado. Seus quadros eram vendidos a peso de ouro nas galerias de arte da Europa. Nessa época ele morava  em um apartamento no Quartier Latin e num castelo em Angers, perto de Paris. O jornalista Carlos Marques chegou a morar com ele no castelo que servira de pousada a Hitler numa de suas idas secretas a França.

Foi quando o cantor Fagner foi passar uns dias no castelo, a convite de Carlos Marques. Um passeio que ele nem gosta de lembrar. Um frio de cortar  a alma corria pelo castelo e o pintor não usava o aquecedor. Passava o tempo  dentro de uma banheira com um cavalhete ao lado, as mãos secas e um olhar cadavérico. Fagner conta que Darcílio colocou ele e o Carlos Marques nos dois quartos mais distantes e passava a noite andando de um lado pro outro pisando naquelas madeiras velhas de uma maneira sinistra. Lembra Fagner: "a cama e os móveis eram enormes, de cores escuras o que deixava o ambiente ainda mais pavoroso. Ele pisava tábua por tábua milimetricamente. Uma assombração que fazia com que o dia demorasse a chegar". Quando clareava, ele pegava uma bicicleta e ia buscar comida. Os três passavam o dia numa mesa enorme com um frio de rachar ouvindo as histórias de cortar a alma.

Carlos Marques conta no seu livro "Lá Sou Amigo do Rei" que rompeu com o pintor por causa da cantora norte americana Joan Baez. Ela estava em turnê pela Europa. Depois de entrevistá-la, conversou  sobre Darcílio e ela quis conhecê-lo. Errou quando propôs uma sessão de fotos da cantora com o pintor. O cearense, que odiava a tudo que era POP negou-se a posar ao lado "daquela piranha". Depois de uma discussão, Carlos Marques que havia tomado umas taças a mais de vinho, partiu para a  ignorância. Pegou uma tesoura e destruiu as 40 gravuras que havia ganhado de presente, cada uma valendo milhões de francos, a moeda da época na França. Enquanto Darcílio chorava, Marques pegou a mala e voltou a morar na rua, sem dinheiro e sem teto. Anos depois, Carlos Marques, para se reconciliar, marcou encontro com o  pintor em Cascavel para gravar um documentário sobre a vida dele. Os acessos de loucura estavam de volta. Carlos Marques conta no livro: "Em vez do elegante aristocrata proustiano, deparei-me com um mendigo de olhar perdido, cabelos ralos e mal cuidados. O homem que habitara um castelo em Angers morava agora nos fundos de uma velha igreja batista, ao lado de um cemitério. Em meio a divagações sem sentido, indiferente à nossa presença e a tudo em seu redor, dizia de forma lúgubre: 

- Vim morrer aqui.

Darcílio Lima, decadente, morando num cemitério em Cascavel


Raimundo Fagner mandou um vídeo gravado pelo jornalista Jânio Alves no Centro Cultural do Banco do Nordeste, em Fortaleza, sobre o artista. Veja:



segunda-feira, 24 de maio de 2021

ENTREVISTA DO SENADOR TASSO JEREISSATI AO JORNALISTA NEUMANNE PINTO


LUIZ CARLOS BARRETO - UM SOBRALENSE GENIAL


 
Luiz Carlos Barreto

Wilson Ibiapina

Quem aniversariou agora em maio foi o cearense de Sobral, Luiz Carlos Barreto, conhecido nacionalmente e até no exterior pelo seu trabalho em prol do cinema nacional. Barretão, como é  chamado pelos amigos, já produziu mais de 80 filmes. Ele diz que o melhor será o próximo.


Foi embora do Ceará para o Rio em 1947. Deixou Sobral para ir estudar em Fortaleza, onde virou líder estudantil e foi trabalhar como repórter do jornal do Partido Comunista. Ele diz que "quando a chapa  esquentou por lá, a família e os dirigentes do partido me mandaram para o Rio de Janeiro"


Como desde muito jovem  jogava futebol, e muito bem, foi fazer um teste no juvenil do Flamengo. Chegou a ser convocado para a seleção brasileira de futebol para disputar as olimpíadas de Londres. Faltou grana para que os 22 jogadores fossem enviados à Inglaterra. Um dia, ele e o Sansão, que depois virou juiz de futebol, foram à Niteroi para fazer um teste no Canto do Rio, que era o melhor time de lá. Conta que eles ganharam uma cadeira de horas. Depois da canseira de longa espera resolveram partir pra  desfeita. Urinaram nas taças do time, que estavam em exposição na sala. A "grande carreira no futebol" terminou, mas continua Flamengo: "Uma vez Flamengo, sempre Flamengo".


Depois  foi ser fotógrafo na revista O Cruzeiro, onde trabalhavam os melhores do país com salários milionários. De 1953 a 1954 foi correspondente da revista O Cruzeiro na Europa. Fez dupla com outro cearense, Indalécio Wanderley, com quem viajou o Brasil. Foi quando conheceu os presidentes desde o Getúlio a Castelo, passando por JK no exílio. Viveu de perto a história política e cultural do país. Um dia, foi pautado para cobrir o encontro do baixinho marechal Castelo Branco, com o gigante de dois metros general Charles De Gaulle. Foi tratado de forma rude pela segurança o que  o levou a desistir do jornalismo.  

Glauber Rocha

Antes disso foi fotografar na Bahia o set de filmagem do Barravento. Conheceu Glauber Rocha que em seguida foi ao Rio para Nelson Pereira montar o filme. Glauber foi jantar na casa de Barretão e levou Nelson que estava se preparando para filmar Vidas Secas. E lá se foi para o interior de Alagoas como integrante da equipe de Vidas Secas. A monotonia naquela pequena cidade alagoana, onde a equipe se hospedava, era quebrada por um circo. No intervalo das filmagens resolveram ir ao circo. Queriam conhecer de perto o galã cantor circense que almoçava com eles, todo dia, no hotel. Quando o cantor  foi anunciado, fez-se silêncio. O cara entra todo de branco, chapeu panamá quebrado na testa. Era o número principal do espetáculo, as mulheres suspirando alto. A orquestra ataca com a introdução em meio ao silencio que dava para se ouvir a batida dos corações femininos. E o cantor manda brasa no bolero que era sucesso nas vozes do já famoso trio Irakitan, que saiu do Rio Grande do Norte para brilhar em todo o país: "Hipócrita/ Eu sei que és hipócrita/ Pelversa tu zombaste de mim". Os artistas do cinema se retiraram de fininho, decepcionados com o cantor que tratou nossa língua com tanta  perversidade.


Luiz Carlos produziu mais de 80 filmes, alguns  viraram clássicos como O Assalto ao Trem Pagador, Vidas Secas, Terra em Transe, Dona Flor e seus dois Maridos, Memórias do Cárcere, Bye-Bye Brasil, O Quatrilho e O que é isso, companheiro?.


O maior sofrimento na vida da família de Luiz Carlos veio com o acidente do filho Fábio, que dirigiu o filme sobre Lula. Ficaram com ele em coma por quase dez anos, até ele morrer em 2019. Foi a maior prova por que todos passaram.


Agora, aos 93 anos de idade, Luiz Carlos vai ao clínico Dr. Roberto  Zani, mostra o resultado dos exames, e o médico diagnostica:


- Rapaz, você vai ver até os 110 anos.

- Só isso? É pouco doutor. Se eu estivesse com 40 ou 50 anos, tudo bem. Mas 110 para quem tem 93 anos...


Realmente é pouco para quem, como o Luíz Carlos, ainda faz projeto de futuro. Agora mesmo está criando uma produtora que vai se especializar em fazer filmes de desenho animado, com roteiros e cenários na paisagem da selva amazônica. Tudo com a ajuda da esposa Lucy, segundo ele, o verdadeiro Barretão. É  ela que impulsiona a máquina de fazer cinema inventada por ele  ainda menino,  quando viu o norteamericano Orson Wells filmando na praia de Iracema, em Fortaleza. Nunca mais tirou da cabeça que era aquilo que queria fazer.


Barretão e sua esposa Lucy



quarta-feira, 21 de abril de 2021

NOS PRIMEIROS TEMPOS



Wilson Ibiapina

Quando cheguei a Brasília em 1970, a cidade estava com dez anos, com muita poeira e ritmo acelerado dos operários em construção. Muito do que aconteceu nos primeiros momentos da nova capital só fiquei sabendo agora, 61 anos depois da inauguração. As histórias curiosas foram resgatadas pela jornalista Rosalba da Matta Machado e estão no livro "Dutra, memórias de um garçom de Juscelino, mordomo em Brasilia". Tem apresentação do saudoso jornalista Carlos Chagas, orelha escrita pelo jornalista Silvestre Gorgulho, ex-secretário de Cultura do DF. É dele a revelação de que a estátua da Justiça, na praça dos Três Poderes, inicialmente, foi colocada dentro do prédio do Supremo Tribunal Federal Foi levada para a praça por determinação de Oscar Niemeyer, sob o argumento de que a justiça é para todos. A lei fundando Brasília foi assinada por JK em primeiro de outubro de 1957. A data da inauguração a 21 de abril de 1960 foi sugerida por Israel Pinheiro, o comandante da construção.


A jornalista Rosalba da Matta Machado conversou durante meses com José Dutra Ferreira, que veio de Araxá para trabalhar como o primeiro garçom do Catetinho para servir ao presidente Juscelino Kubitschek. Dutra trabalhou inicialmente no Palácio de Tábuas, inaugurado em outubro de 1956. Só em janeiro de 1957 é que foi rebatizado pelo violonista Dilermando Reis de Palácio do Catetinho. Hoje, aberto à visitação pública, o Catetinho hospedou gente importante dos meios político,intelectual e artístico. Estiveram lá Juca Chaves, Dilermando Reis, e também Tom Jobim e Vinicius, quando criaram a Sinfonia da Alvorada, que conta em musica e versos a saga da construção.

Os primeiros blocos residenciais surgiram nas super quadras 105, 106, 107 e 108 –Sul.

Israel Pinheiro disse um dia que a construção que deu mais trabalho foi a do Congresso Nacional.

Uma figura da maior importância na construção da cidade foi o engenheiro agrônomo Bernardo Sayão. A missão dele era construir as estradas para que todos chegassem à nova capital e também implantar uma estrutura agrícola na região. Foi ele que sugeriu a Israel Pinheiro trazer imigrantes japoneses para criar um cinturão verde em Brasilia. Israel entregou essa tarefa ao pai da escritora cearense Ana Miranda. O engenheiro Raul Miranda contou com a ajuda das famílias japonesas que plantaram frutas e verduras em numerosas chácaras ao redor do Plano Piloto. A capital cresceu rapidamente e os novos habitantes ocuparam as chácaras que abasteciam Brasilia, acabando com as nascentes de rios e riachos, transformando tudo em cidades.

Foi Bernardo que escolheu a área em que Israel Pinheiro construiu a casa em que foi morar durante a construção. Foi chamada de Granja Israel Pinheiro. O político mineiro não gostou da ideia. Saiu o nome mas ficaram as iniciais: I.P ou seja Ipê. É por isso que lá não se via um único pé da àrvore que hoje enfeita o Distrito Federal. A Granja Riacho Fundo também foi batizada por Sayão para abrigar o médico Ernesto Silva. Já a Granja do Torto teve como primeiro ocupante o engenheiro Iris Meinberger. Ficou lá até quando deixou a diretoria da Novacap. Bernardo Sayão escolheu a Granja Tamanduá, mas ele estava sempre viajando, cuidando das estradas, da agricultura. Foi num acampamento às margens da rodovia Belém-Brasilia, que ele estava construindo, que aconteceu a tragédia. Em janeiro de 1959 uma árvore caiu sobre a barraca dele. Sayão foi a primeira pessoa a ser enterrada no Campo da Esperança. Uma estrada teve que ser aberta às pressas durante a noite para que as pessoas tivessem acesso ao cemitério.

Em seu livro de 399 páginas, ilustradas combinado muitas fotografias e documentos, a jornalista Rosalba da Matta Machado conta por que JK chorou durante a missa de inauguração de Brasília.O garçom Dutra disse à Rosalba que estava trabalhando durante o jantar do dia da inauguração, quando ouviu o presidente justificar o choro: "as lágrimas foram uma consequência. Parece que somente naquele momento de reflexão tomei plena consciência que inaugurava Brasília para o Brasil e para o mundo. Nosso sonho estava realizado."

Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina