quarta-feira, 30 de abril de 2014

LÁ NO CEARÁ: CAMPANHA PELAS VÍTIMAS DO ORÓS


Eu estava começando em rádio, em 1960, quando veio a notícia. Por causa de uma grande chuva, o rio Jaguaribe começou a transbordar, provocando uma enchente que ameaçou o açude Orós. A população ribeirinha passou a viver momentos dramáticos. O arrombamento do Orós iria  inundar o médio e o baixo Jaguaribe. Cidades como Russas, Aracati, Itaiçaba, Jaguaribe, Limoeiro do Norte e Icó começaram a retirar a população com o auxílio do Exército. 

A Ceará Rádio Clube, a mais importante emissora dos Associados, deslocou logo o repórter Nogueira Saraiva para o local. A Rádio Dragão, que despontava em audiência com suas radionovelas, mobilizou imediatamente o cast e foi pra rua pedir  ajuda para as pessoas ameaçadas. Os artistas do radioteatro, como Oliveira Filho, Mário Santos, João Falcão, Glauria Farias, Consuelo Ferreira, Haroldo Serra, Cleide Holanda e outros que não lembro agora os nomes saíram em procissão pedindo ajuda para as vítimas do Orós. Um lençol branco, com os artistas segurando nas pontas, era levado bem na frente pela rua Guilherme Rocha, no trecho entre as praças do Ferreira e José de Alencar. Uma bandinha tocando dobrados e o diretor de radioteatro Jota Oliveira, com um megafone, pedindo a a colaboração:  “Vamos ajudar as vítimas do Orós. O açude vai arrombar. Precisamos de sua ajuda.” E todo mundo colaborando, jogando dinheiro no lençol. Quando o cortejo passava em frente ao café Ritz, na verdade um bar lotado de papudinhos, jornalistas, poetas e artistas, um bêbado, com uma cédula de  mil cruzeiros na mão, parou em frente ao lençol e perguntou ao Jota Oliveira: "E se não arrombar?"

O chefe do radioteatro respondeu no megafone, no mesmo instante em que tomava o dinheiro das mãos do cidadão e  jogava no lençol: Arromba! Arromba, sim!!!

MERERÉ E CHEIROSO - na redação da Globo nos anos 70


Nunca soube seu verdadeiro nome. Mereré chegou à redação da Globo, em Brasília, pelas mãos do Gerson Gonçalves. Era assistente de cinegrafista, iluminador, conhecido também como “pau-de-luz”. Começou na profissão numa emissora de TV de Terezina, no tempo em que o Gamaliel Noronha apresentava os telejornais. 

Mereré estava na equipe que foi cobrir a visita do governador Alberto Silva à Parnaíba, sua terra natal. Durante o almoço, o governador resolveu fazer um balanço de sua administração. Distraído, pegou a faca que estava à mesa, ao lado do prato e começou a falar. Gesticulava com a faca na mão. A imagem, na TV, ia parecer que estava ameaçando os presentes. Um assessor chamou o repórter e pediu que evitassem usar na matéria a imagem do governador com a faca na mão. O repórter fez um bilhete, chamou o Mereré e pediu que levasse a lata com o filme para Terezina. Mereré saiu às pressas, empurrando todo mundo. Já na porta do prédio, um agente de segurança achou estranho aquele elemento com uma lata na mão, com cara de assustado e com pressa. Mereré foi barrado. Quando o agente abriu a lata estava lá o bilhete: atenção: cortar o governador com a faca. Mereré foi em cana, o filme velado, não foi ar.


Na Globo, Mereré, que bebia todas, estava morrendo de ressaca quando saiu com a equipe que foi fazer matéria num templo budista. Aprontou. Bebeu uns dois copos dágua dos que estavam ao pé do altar para purificação e na saida trocou os sapatos por um par bem novinho que um fiel havia deixado na entrada. Demitido, passou na redação bem cedinho e levou com ele todos os jornais do dia que estavam na mesa do Waldemar Pacheco, chefe de Reportagem. 

Pior do que o Mereré só o Cheiroso, um motorista que não tomava banho, mas enchia o corpo de perfume que, misturado ao suor exalava um cheiro insuportável. Um dia, fim de expediente, Waldemar Pacheco, seco pra tomar um aperitivo, pede que ele compre um uisque Old Eight . Waldemar quase vai à loucura quando Cheiroso chega com “um copo de leite”.

Era uma vez ... HISTÓRIAS DA CAROCHINHA E DE TRANCOSO



Uma das atrações da II Bienal do Livro e da Cultura, realizada em Brasília, foi a presença dos contadores de histórias infantis. Lembrei que no Ceará os maiores contadores de histórias infantis estão em Juazeiro do Norte, no Cariri. É lá que ainda são resgatados  os contos e histórias de antigamente. Agora, sente aí que vou contar porque as histórias populares, inventadas pelo povo, são da carochinha ou de trancoso.

Até 1920, não existiam no Brasil editoras. Os livros vendidos aqui eram todos impressos na Europa, especialmente em Portugal. Eram caros e só uma  pequena parte da população brasileira tinha acesso. O livreiro Pedro da Silva Quaresma, dono da Livraria Quaresma, descobriu a pólvora. Viu que podia vender livros também para a grande massa da população. Passou a  trazer livros de cunho popular, em formato reduzido e a um preço acessível.  Histórias da Carochinha foi o primeiro livro infantil publicado no Brasil e acabou incorporando o termo carochinha ao nosso folclore. Até hoje representa uma velha boazinha e afável que distrai as crianças contando histórias  inventadas que sempre começam com um “era uma vez...”

Essas  histórias infantis também passaram a ser conhecidas no Brasil como histórias de trancoso. Tem esse nome não por causa da cidade portuguesa de Trancoso, nem do lugar na Bahia onde Pedro Álvares Cabral desembarcou em  abril de 1500, tomando posse do Brasil em nome de Portugal. Tudo começou com um dos primeiros contistas da língua portuguesa. Em 1575 Gonçalo Fernandes Trancoso escreveu os Contos & Histórias de Proveito & Exemplo. O livro, que chegou a ser editado também no Brasil, deu origem a expressão brasileira para designar a literatura infantil que o povo passa de boca em boca. Nossos pais cresceram ouvindo essas histórias de trancoso que nos passaram e que hoje está cada vez mais difícil repassá-las para nossos filhos.


A Internet diz que só existe hoje um único exemplar desse livro de Trancoso. “Contos & Histórias de Proveito e Exemplo" foi adquirido pelo historiador e diplomata brasileiro Manuel de Oliveira Lima  em 1923. Antes de morrer nos Estados Unidos, em 1928, ele duou sua biblioteca à Universidade Católica da América, em Washington.. É lá que está a única cópia da primeira edição do livro de Gonçalo Fernandes Trancoso. Não parece uma história de trancoso?

segunda-feira, 28 de abril de 2014

UM SÉCULO DE CAYMMI




Nesta quarta, dia 30 de abril, é o centenário de Dorival Caymmi. Os filhos Nana, Dori e Danilo gravaram um CD com 28 músicas do famoso baiano para comemorar a data. Sua neta, Stella, filha de Nana, publica livro com entrevistas que fez com o avô ao longo de dez anos. Stella, que tem o mesmo nome da avó, é jornalista, doutora em literatura e cantora. Ela conta que, aos cinco anos de idade, Caymmi encolhia a barriga, a bermuda caia e ele ficava só de cuecas. A menina se acabava de rir com a brincadeira. Um dia, a avó ajudava Stella a fazer o dever de casa e resolveu perguntar quem descobriu o Brasil. A criança respondeu na bucha: -Jorge Amado! Caymmi achou o máximo e saiu espalhando por toda a Bahia. 

Jorge e Caymmi eram amigos e parceiros. Fizeram juntos a toada "É Doce Morrer no Mar", gravada em 1941. Em 1959 ele gravou o Lp "Caymmi e seu violão. Depois autografou e deu o instrumento de presente à dona Noé, mulher do dr. Abner Brígido. Nos anos 70, numa festa no Rio, o cantor Jamelão sentou-se no violão, que estava numa cadeira. O raro DiGiorgio, devidamente oferecido à dona Noé, virou pó, ficaram só as cordas. Ela morreu sem saber que Jamelão, o homem que destruiu aquela relíquia, estava naquela festa a convite do Sérgio Costa, sobrinho dela.  No momento em que o país festeja o secular  Dorival Caymmi, a Internet faz circular esta carta que um dia ele mandou pro seu amigo Jorge Amado. Olha que coisa saborosa:

"Jorge meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci.

Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.

Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.

Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.

Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?

Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o  firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?

Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.

Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.

Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia.  Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.


A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.


BEBIDAS DE LÁ QUE SÓ ENCONTRO AQUI







Nas poucas vezes que fui a Alemanha tentei pedir uma dose de stanheguer para beber com cerveja e não consegui. Achava que não estava conseguindo pronunciar corretamente o nome da bebida, uma espécie de cachaça feita de zimbro, um arbusto europeu, mesma matéria-prima do gim. Fui tirar minhas dúvidas com os jornalistas Eduardo Mamcasz e a Cleide. O casal todo ano passa férias em Berlim, onde aluga apartamento e fica um mês feito nativos, andando a pé, de metrô, frequentando padarias, bares supermercados e praças. Mamcasz disse que também não consegue encontrar o Steinhaeger. Famoso lá, segundo ele, é o Jägermeister, produzido desde 1935 e considerado o nono destilado mais consumido do mundo. Os alemães combinam com cerveja, como fazemos aqui com o Steinhaeger. Tem que está bem gelado.


Uma outra bebida forte, que conheci passeando pelas propriedades vitivinícolas da serra gaúcha, é a Graspa, feita de bagaço de uva e aromatizada com a erva arruda. Um dia, em Brasília, pedi uma Graspa numa loja de bebidas. A mocinha atendente me deu uma aula. Explicou que não existe Graspa, que a bebida italiana chama-se Grapa. Em Roma, me disseram a mesma coisa. Não é graspa. É grapa. Portanto se um dia desejar provar uma Graspa, como era chamada a Grapa antigamente pelos italianos, o melhor caminho é a Serra gaucha. Tem ela lá feita com o bagaço das melhores uvas. Mas o gaúcho esnoba, fabrica a Graspa do trigo. É o Triguinho. É difícil encontrar, mas também com inigualável sabor.

FRANK SINATRA




PROTETOR DOS MAIS FRACOS

No início dos anos 70, Frank Sinatra teve oportunidade de exercitar seu poder, o que fazia sempre quando percebia que alguém pequeno estava sendo humilhado, levando a pior. Certa noite jogava pôquer com Burt Reynolds, Jilly Rizzo e a turma de sempre. Estavam na cozinha do Nicky Blair's, no Sunset Boulevard, em Los Angeles. Um mexicano auxiliar de garçom chamado Hector entrou correndo e derrubou uma bandeja de copos, que se estraçalharam pelo chão. O dono, Nicky Blair, chegou de pronto. Depois de uma bronca espetacular demitiu o rapaz no ato. Sinatra viu aquilo e não gostou: 

“Espere um minuto, Nicky. Quanto custam esses copos?”

“Não sei, sr. Sinatra. Talvez uns dez, vinte dólares cada, por quê?

Frank fez sinal pra um de seus rapazes, que sacou um maço de dinheiro e contou quarenta e cinco notas de cem, e passou-as para Nicky. “Traga-me quatro mil e quinhentos dólares em copos”, disse-lhe Sinatra. O dono do restaurante obedeceu. Centenas de copos foram trazidos às pressas e colocados aos pés de Sinatra. O artista chamou o auxiliar demitido. “Hector, está vendo esses copos?” perguntou.
“Sim,” “Pois bem. Quebre-os.” Em minutos o jovem mexicano não deixou  um só inteiro. Então, Sinatra dirigiu-se a Nicky: 

“Toda vez que eu vier aqui, quero ver o Hector trabalhando na casa. Entendeu?”

Nicky, radiante: “Mas eu sempre adorei o Hector!”



A GORJETA

Diz a lenda que Frank Sinatra era insuperável, também, na hora de dar uma gorjeta. “Quem quer que recebesse uma gorjeta dele poderia ir comprar uma mansão em Paris”, exagerava Don Rickles, que presenciou suas molhadas de mãos pelo mundo. A grana era entregue com discrição, nunca brandia uma cédula, não se mostrava. Bill Zehme conta que um dia o manobrista do estacionamento de um restaurante traz o Dual Ghia de Frank.  Tenho que explicar. Trata-se de um carro raro fabricado nos Estados Unidos entre 1956 e 1958. Só foram produzidos 117 carros que foram comprados por celebridades americanas como Sinatra, Dean Martin, Richard Nixon. Ronald Reagan possuia um que perdeu num jogo de pôquer para o presidente Lyndon Johnson.

Pois bem, Frank entra no carro e pergunta ao manobrista qual a maior gorjeta que já recebera. O rapaz diz cem dólares. Frank coloca-lhe duzentos dólares na mão. Quando já ia saindo pára, se volta e pergunta quem lhe dera os cem. “O senhor mesmo, na semana passada!”

A HORA DO ANGELUS


O sino na torre da matriz de São Pedro, em Ibiapina, tocava para chamar os fieis para a missa, para avisar a morte de algum habitante ou somente  para dar a hora. Diariamente, ao cair da tarde, logo após as 18 badaladas, o alto falante instalado no alto da igreja começava a tocar a Ave Maria, de Charles Gounod. A Hora do Angelus, inventada pela Igreja para que os católicos lembrem em preces e orações o momento em que o Anjo Gabriel anunciou a Maria a concepção de Jesus,  o momento da Anunciação.

Quando mudei para Fortaleza, a Hora do Angelus chegava à nossa casa pelas emissoras de rádio. Essa devoção tem origem na tradição franciscana. Ao toque do sino, quando do romper da manhã, os cristãos veneravam a Virgem Maria, recitando três ave-marias, intercaladas por três versículos bíblicos. Mais tarde, começou-se a rezá-lo mais uma vez, ao meio-dia. E mais tarde ainda, pelo século XIV, recitava-se o ângelus também ao entardecer.

No Ceará o toque da Ave Maria acontece só às 18 horas. O cearense Mário Garófalo, que teve a sua Brasília Super Rádio FM inaugurada pelo Papa, toca sempre A Ave Maria às 18hs. As cidades modernas dificultam o tocar dos sinos para não interferir na vida social, hoje regida por outros critérios. Aqui em Brasília mesmo, um cearense conseguiu que a justiça calasse o sino de uma igreja do Lago Sul que fica perto da casa dele.

Lembro a rádio Tupi do Rio. Todo dia após a hora do Angelus entrava uma crônica, ao som da melodia "Moonlight Serenade", com Glenn Miller e sua orquestra,  que terminava com o Carlos Frias dizendo "O meu boa noite para você". Na Rádio Tamoio, que hoje pertence ao Sistema Verdes Mares de Fortaleza, tinha no horário o programa Pausa para Meditação. Os ouvintes escreviam contando seus problemas e terminam as cartas com a frase “Me aconselha, seu Júlio Louzada!"


Em Fortaleza, a rádio Iracema apresentava a Hora do Pobre, logo após a Ave Maria. O programa era apresentado pelo padre Paixão, que recebia pedidos de ajuda através de cartas, já que naquela época, anos 50/60, telefone era coisa rara. Mauro Benevides, ex-presidente do Congresso Nacional, estava começando na política e foi pedir a ajuda do padre Paixão para sua primeira eleição. O padre fez a apresentação dele no programa Hora do Pobre: “Meus amigos, este  jovem advogado, católico, candidato a vereador, muito vai fazer pelo povo de Fortaleza. E depois de pedir que votassem nele, solicitou ao jovem advogado que lesse uma das cartas que estavam ali sobre a mesa. E Mauro Benevides, com sua voz fanhosa foi em frente: “Meu nome é Maria das Dores, estou grávida, preciso muito de sua ajuda..”. O hoje deputado federal Mauro Benevides diz que nunca mais esqueceu aquele momento.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

GABRIEL GARCIA MARQUEZ, O JORNALISTA


"Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."

Gabriel García Marquez

54 ANOS DE BRASÍLIA: JÁ FAZ É TEMPO QUE MORO AQUI




Foi o físico Rodger Rogério que me trouxe do Rio para Brasília em 1970. Há 44 anos, os  físicos cearenses  José Evangelista Moreira Josué Mendes Filho, Flávio Torres, Newton Teóphilo, Cesar Bezerra, a exemplo de Rodger, faziam mestrado e davam aula na UnB. Minha idéia era passar uma temporada e retornar ao Rio ou voltar para o Ceará, como  fez metade dos que estudavam na UnB. Fui trabalhar na sucursal do Correio do Povo, jornal dos gaúchos, e logo depois na Tv Globo. 

A comunidade cearense só crescia.  Encontro o Fernando César, que me arranjou o primeiro emprego e outros amigos começam a chegar. Augusto Pontes, Fausto Nilo, Fagner, Lustosa da Costa, Rangel, Dário Macedo, Tomás Coelho, Álvaro Augusto Ribeiro. Fui fazendo novas amizades. Dizem que quem chega a Brasília passa por três fases: deslumbramento, rejeição e amor. Quando me dei conta, já estava nessa fase  de apego à cidade, onde casei e nasceram meus filhos e neta.

Brasília tem os pioneiros, os candangos que chegaram no tempo da construção e os brasilienses, os que nasceram aqui. Faço parte da leva de candangos. Não vi Brasília nascer  mas peguei na mão dela para atravessar as largas avenidas quando ela tinha dez ano. Alcancei os redemoinhos de vento que levantavam  a poeira amarela a alturas que se perdiam  de vista.

Hoje, aos 54 anos, a cidade continua recebendo levas  de nordestinos. Como lembra o piauiense Clodo Ferreira, professor da UnB e compositor, só que agora o padrão de imigração é diferente. São os políticos que ao fim do mandato, não voltam mais para seus estados de origem. São os jovens aprovados em concursos ou que chegam para completar a formação nas escolas superiores. 

Hoje, já somos mais de 600 mil nordestinos vivendo no Distrito Federal.  O que tem mais é piauiense. Eles são 152 mil. Depois vem os maranhenses: 143 mil. Em seguida, 136 mil baianos e, em quarto lugar, os 97 mil cearenses. Moram,  também no  DF 34 mil pernambucanos; 31 mil potiguares; 7 mil alagoanos e 6 mil sergipanos. É como diz o Correio Brasiliense, principal jornal da cidade, fundado e dirigido por nordestinos, “nós não apenas deixamos o Nordeste, como fincamos nossas raízes por aqui". Na matéria de capa   “O Nordeste mora aqui” a revista do Correio afirma que, além de ajudar a construir Brasília, os nordestinos tornam com suas tradições e referências, a cidade muito mais interessante.”

BRASÍLIA GENEROSA


Brasília nasceu generosa.
Generosa com quem aqui chegou antes mesmo de existir brasilienses.
Generosamente terra das oportunidades.
Não exagero!
Brasília foi generosa com quem veio a cavalo, caminhão, avião, a pé
Para fincar a Estaca Zero.

Brasília tem generosidade camaleoa. Noite e dia.
Com ou sem censura, Brasília foi generosa com a ditadura e com a Democracia.
Generosa com os partidos e partidários.
Com os honestos e salafrários.
Brasília é generosíssima com quem explora seu espaço sagrado:
construtores, invasores, corretores e especuladores.

Brasília acolhe cineastas, fotógrafos e cinegrafistas.
É generosa em megapixel.
Vindo de onde vier, Brasília seduz pelo céu.
E se entrega escandalosamente em luz, sua matéria prima:
paisagem em azul – mar de cabeça prá cima.

Brasília é generosa com artistas, repentistas e desportistas.
Com a diversidade e com a arte por toda parte.
Brasília hospeda generosamente todas as diplomacias, credos e famílias.
Brasília é generosíssima com servidores públicos e privados.
Com os bem e os mal amados.

Para jornalistas, Brasília é generosa vedete.
Os fatos são eloquentes,
as informações são fartas, com ou sem cassetete,
Tem sempre notícia para salvar a manchete.

Brasília é generosa com escritores e com o arquiteto
Com os poetas do concreto e do afeto.
Generosa com os humildes e os sem-destino,
Com o ateu e o divino.
Também é generosa com quem busca seu endereço
Para ter poder a qualquer preço.

Brasília só quer justiça
Com os que fazem da força
Um jogo de barganha, ganância e cobiça.
Brasília é, sobretudo, generosa com os governantes.
Com os amantes e os flutuantes.
Com os bélicos e angélicos.

Generosa com aventureiros, grileiros, trapaceiros e curandeiros.
Generosa com os místicos, políticos, causídicos e com tantos críticos.

Brasília é generosa com as cores, os sabores e os beija-flores.
Brasília é generosa com quem ganhou e com quem perdeu...
Com quem busca um chão para chamar de seu
E até com aquele que cospe no prato que comeu.

Oh! Deus, até quando vai durar tanta generosidade?
Brasília é um sorriso, um abraço e um olhar
À espera de reciprocidade.



Silvestre Gorgulho

sábado, 19 de abril de 2014

CABRA DA PESTE NA SANFONA TEM UM PÉ LÁ NO CEARÁ



Um piano alucinante tocando “Um Chopin no Bach ouvindo Forró”. No final, o locutor anunciou que era uma faixa do CD do mesmo nome da música, executada pelo autor Chico Chagas. Fui direto pra loja, comprei o disco. Só clássicos em ritmo de forró, mas na base do fole. Um sanfoneiro com toda desenvoltura de um  Dominguinhos, Sivuca  Hermeto ou Valdonys. Só pode ser nordestino. 

Fui pesquisar. Chico Chaga é acreano. Como no Acre só dá borrachudo, como dizia o acreano José Vasconcelos, filho de cearense, fiquei mais cabreiro, desconfiado. Pois não é que descobri: Chico Chagas é filho de cearense. O pai dele, que já morreu, chamava-se  Chico Arigó. Era sanfoneiro.  Arigó  fugiu de casa aos 19 anos porque o pai, seu Manoel, também sanfoneiro, não deixava sob hipótese alguma que os seis filhos homens tocassem o instrumento. Não adiantou. Os seis aprenderam a tocar o instrumento e dois seguiram sua profissão. E o primeiro neto, Chico Chagas, também. Francisco das Chagas Gomes da Silva, Chico Chagas, nasceu em Rio Branco, Acre, no dia 23 de maio de 1971, filho de Geilda Alves Gomes da Silva e Francisco Gomes da Silva. Seu nome se deve a uma promessa feita pelo pai. Se o bebê, que nasceu com sérios problemas de saúde, escapasse, teria o nome do santo - Francisco das Chagas. 

Mas não foi o acordeon que levou  Chico para o Rio de Janeiro, em 1990, a convite de Tito Freitas. Na época, seu instrumento predileto era o piano e foi com ele que o músico se apresentou em  casas noturnas cariocas como o Café Nice, o Carinhoso e o Sobre as ondas.. Ele é famoso e eu não sabia. Chico iniciou nova fase em sua carreira em meados da década de 90, quando começou a mesclar teclados e acordeon nos trabalhos com grandes nomes da MPB como Zeca Pagodinho, Moraes Moreira, Elba Ramalho, Zé Ramalho e Geraldo Azevedo (esses últimos três em O Grande Encontro 2). A reaproximação definitiva com o instrumento da infância se deu no ano 2000, com Cássia Eller. Ousada, Cássia introduziu o acordeon de Chico em seus shows e CDs e o músico despertou para suas inúmeras possibilidades. 

Auto-didata, Chico Chagas mergulhou fundo no estudo do instrumento e, a partir daí, gravou, produziu e se apresentou com Chitãozinho e Xororó, Naná Vasconcelos, Carlos Malta, Maria Bethânia, Ivete Sangalo, Nana Caymmi, Adriana Calcanhoto, Paulo Moura, Miúcha, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Erasmo Carlos, Djavan e Guinga. Também dirigiu Elza Soares e o premiado show Do cóccix ao pescoço. 

O ano de 2007 marca o início de sua carreira solo, com o CD "...e por falar em acordeon ", em que mistura choro, samba, rock e forró de forma inovadora. Produzido por Luiz Avellar, o CD tem 13 faixas, com destaque para os arranjos sofisticados de "Day Tripper", releitura jazzística de um clássico dos Beatles. Morou na Europa e, de volta ao Brasil, nos brinda com o CD “Um Chopin no Bach ouvindo forró”, uma bela forma de nordestino ouvir música clássica sem se afastar das origens.

OS STUCKERT DE OLHO EM BRASILIA DESDE A CONSTRUÇÃO DA CIDADE



Quando cheguei a Brasília, em 1970, fui trabalhar com Aldo Vinholes de Magalhães na sucursal do jornal gaúcho  Correio do Povo, da Companhia Jornalística Caldas Júnior. O emprego foi arranjado pelo Fernando César Mesquita. 

Foi ali, no edifício Central, que fiquei conhecendo o fotógrafo Eduardo Roberto Stuckert, o Stuckão. Ficamos amigos.Toda matéria que fazia tinha que ter fotos dele. Levou-me à sua casa. Num dia de festa na cidade, acho que era carnaval, eu sozinho, 27 anos,  ele apiedou-se. Convidou-me para acompanhá-lo ao  Minas Brasilia Tênis Clube. Na mesa com toda sua família, comi, bebi, me diverti sem ter dinheiro. Por trás daquela  cara fechada, tinha um homem solidário, brincalhão na intimidade.

Acho que era russo. A história dele começa longe daqui, quando o pai Eduardo Francis Rudolf Deglon  Stuckert, logo após a primeira guerra mundial,  deixa Lausanne, na Suíça e desembarca no porto de Cabedelo, na Paraíba. Profissão era o que não lhe faltava: Era fotógrafo, desenhista, escultor e interprete em oito línguas. O mais novo dos três filhos, Eduardo Roberto foi morar em Maceió, onde trabalhou como fotografo de jornais.  Em 1957, já repórter fotográfico de O Globo, veio cobrir a construção de Brasília. Eduardo Roberto retornou ao Rio, mas deixou aqui seu filho mais velho, Roberto, cobrindo a construção. 

Em 1960, antes da inauguração veio de vez para Brasília trazendo a família. Em 1970 Stuckão e os filhos Roberto, Rodolfo, Eduardo e Rosiane fundaram  a Stuckert Press . Com a morte do pai, o filho Roberto virou o Stuckão. Roberto trabalhou para revistas e jornais e foi fotógrafo do presidente Figueiredo. O filho dele, Ricardo, foi o fotografo de Lula e o mais novo, Roberto, é fotografo da presidente Dilma. Rodolfo, irmão de Roberto, foi fotógrafo oficial de vários governadores do Distrito Federal. Na família, quando nasce um Stuckert, o primeiro presente é uma câmara fotográfica.  Hoje, quando a cidade chega aos 54 anos, família Stuckert reúne cerca de 30 fotógrafos. Ricardo diz que não há como separar Brasília da vida deles: - Assim como a fotografia, Brasília está na veia dos Stuckert.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

QUANDO BRASÍLIA ERA MENINA A GLOBO TINHA UM CINEGRAFISTA DO BARULHO


A cidade tinha uns dez anos quando aquele cearense magrinho, desinibido, vindo do Rio, chegou à Globo de Brasília pedindo emprego. Trabalhava como operador de áudio na rádio Nacional e foi contratado para a mesma função na  Globo. Demorou pouco. Virou assistente de cinegrafista e, em pouco tempo, estava filmando. 

Normando Parente, formado na escola da vida, desembarcou na capital falando inglês, língua que foi obrigado  a aprender para ser  garçom em sofisticados  restaurantes cariocas. Vestia-se bem, mas exagerava para chamar a atenção. 

Numa época vestia-se com pano amarrado na cabeça, usava grandes brincos, parecia um pirata. Barbado, com lenço num pescoço, chamou a atenção até de um motorista de taxi em Honolulu, onde teve que pernoitar na viagem para o Japão, onde ia cobrir a visita do presidente Geisel. No taxi do aeroporto para o hotel,  Toninho Drummond, chefe da equipe da Globo, e Geraldo Costa Manso, o repórter, sentaram no banco de trás. Normando  Parente no banco da frente, ao lado do motorista. Já chegando ao hotel, o motorista virou-se  e perguntou: - Ele é artista? Toninho, irreverente: - Só é.

Um dia, o dr. Roberto Marinho liga para pedir ao Toninho pra ir pessoalmente conduzir uma entrevista com o ministro da Saúde, Almeida Machado, no governo Geisel. O cinegrafista escalado é o Normando Parente. Na residência do ministro, num fim de semana, começa a entrevista. O repórter pergunta e, quando o ministro começa a responder, alguma coisa se move atrás da cortina da sala. Pára  tudo. Na terceira tentativa, levantam todos e descobrem atrás da cortina um garoto de uns cinco anos. O Toninho segura o menino no colo com todo carinho e  a entrevista finalmente é feita. Já na redação, todos correm pra ilha de edição, quando o Toninho olha , lá está o menino sapeca. -Meu Deus, trouxeram o neto do ministro!!!

- Não, Toninho, esse aí é o Filipy, filho do Careca.

Normando tinha o apelido de careca, mas era cabeludo até demais. E isso quase lhe causou um problema sério. Um dia, chegando ao Palácio do Planalto, quando passava pelo general Hugo Abreu, este sim, careca, ouviu alguém gritar:
- E aí careca, tudo bem? O general, chefe da  Casa Militar no tempo da ditadura, olhou para os lados e viu que o único careca ali era ele, não gostou da brincadeira, achou um desrespeito. Até convencê-lo que o careca era o cabeludo Normando Parente foi um Deus nos acuda.

Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina