domingo, 24 de junho de 2012

O NÁUTICO ATLÉTICO CEARENSE ESTÁ COMPLETANDO 83 ANOS




Náutico dos bailes da saudade que, no carnaval, mobiliza foliões ao som de lindas melodias. Náutico das tertulias em seu imenso salão iluminado e cheio de colunas. Atrás de cada coluna um diretor tomando conta dos jovens casais, para tranquilidade dos pais.

Alberto Motal, Ivanildo, Moreira Filho, Canhoto, Ivan e tantos outros competentes músicos que alegraram nossas vidas.


Piscina do Náutico
Quantos namoros e casamentos sairam daquele salão! Quantos campeões sairam de suas quadras de basquete, vôlei, de suas piscinas. Roberto Bastos, Banana Ercílio, Silvia. Atletas amadores que orgulham o Ceará.



A história do Náutico foi contada pelo jornalista Rodolfo Espínola num livro que infelizmente ele não viu ser editado. Pelo Náutico passou a adolescência, a juventude de toda uma geração.


O Náutico e Ideal formam a dupla resistente que lembra uma Fortaleza pequena que se divertia pura, ingenua, sem malícia, mas orgulhosa, preconceituosa, seletiva.

O Náutico chega aos 83 anos ameaçado pelo progresso que vai tirando de cena uma Fortaleza que aos poucos vai ficando apenas na nossa memória.










terça-feira, 19 de junho de 2012

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS




Mário de Andrade 
(1893-1945) 

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. 

Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço. 

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte. 

Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha. 

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral. 

'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência. Minha alma tem pressa... Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade. O essencial faz a vida valer a pena. E para mim, basta o essencial! 

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A CACHAÇA "PAU DE URUBU"




 
Nelson Faheina

Vou recordar uma época em que "éramos felizes e não sabíamos", pegando carona no samba de Ataulfo Alves, "Meus Tempos de Criança". Estudante do Ginásio Diocesano Pe. Anchieta, em Limoeiro do Norte, 13 ou 14 anos de idade, nos reuníamos à noite na praça, ao lado da Igreja Matriz, para tentar um namoro com as alunas da Escola Normal, ouvir músicas de Nerlson Gonçalves, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Cauby Peixoto e outras celebridades que saiam na amplificadora "A Voz da Cidade" e ao mesmo tempo, tomar algumas doses de Martini, Rum Montilla ou cachaça "Chora na Rampa". Isso prá criar coragem e abordar as meninas. 

Nessa época, o dinheiro era difícil. Estudante não recebia nada dos pais. Para alegria nossa, Miguel Alves Maia, pai do jornalista Chico Alves, lançou em todos os bares, mercearias e botecos de Limoeiro do Norte, a cachaça "Pau de Urubu". Foi um verdadeiro sucesso, principalmente, porque ele ofereceu alguns litros de graça, como promoção. E depois estabeleceu um preço espetacular para conquistar a freguesia. Se uma garrafa de "Chora na Rampa" custava 1 cruzeiro, o lotro de "Pau de Urubu" era vendido por dez centavos. Nós, dezenas de estudantes, passamos a beber o novo produto, "a coqueluche do momento" todas as noites. 

Com o passar do tempo, observamos que no dia seguinte amanhecíamos com a boca cheia de pintas brancas, como se fosse afta. E as reclamações foram muitas por parte de pessoas adultas que aderiram ao novo produto. 

Meu pai, Nelson Forte, que sempre gostou de tomar umas e outras, principalmente uma boa cachaça, certa vez, chegando num forró na zona rural, acompanhado de Miguel Alves Maia, o produtor da "Pau de Urubu", pediu num boteco duas doses de cachaça. O vendedor de imediato afirmou: "Tenho aqui o melhor produto do momento. Cachaça "Pau de Urubu". Miguel Alves olhou para o homem e disse: "Bote qualquer cachaça, menos essa". Aí, papai disse: "A Pau de Urubu nem o dono aguenta". 

Também pudera. Limoeiro do Norte nunca teve canavial para extrair aguardente. Descobriu-se que de uma garrafa de "Chora na Rampa", Miguel Alves Maia desdobrava 8 litros. Era mais água do que cachaça que acabou com muitos "papudinhos". A última vítima foi Pedro Caju, figura adorada na cidade que vivia de biscates. Morreu, foi para o Céu, onde foi recebido por São Pedro. Conta a lenda que o porteiro do céu perguntou: "Vem de onde? Venho de Limoeiro, afirmou Pedro Caju. Morreu de que? Morri bêbado, respondeu Caju. São Pedro consultou a Internet e disse: " Você Caju, morreu afogado, de tanto beber cachaça misturada com água".    

URUBUS INVADEM O CÉU DE BRASILIA




Wilson Ibiapina

O urbanista Lucio Costa, que projetou Brasília, dizia que o “mar de Brasília é o céu”, sempre amplo e cintilante. Pois não é que tem qualquer coisa no céu brasiliense, além dos aviões de carreira. Olhe pro nosso mar, ou melhor pro nosso céu e vai ver umas pintinhas pretas se mexendo. Acredite, são urubus. Pode olhar. Voam alto à procura de comida. 

No interior é comum a presença de urubus catando sobras de animais mortos, rondando açougues ou sobrevoando entulhos com seu olfato apurado. É considerado uma ave imprescindível na limpeza do meio ambiente. Acho até que a caça dele é proibida. Geralmente ele é atraído pelo cheiro de animais mortos, um tipo de feromônio que o ser humano não consegue captar. Mas isso é no interior, que não tem captação de esgoto, nem uma coleta de lixo organizada. O que surpreende é a capital do país invadida por essa ave.

De onde estaria saindo esse cheiro de podre, onde está a carniça?

O urubu é visto sobrevoando todas as áreas de Brasília. Acho que o mesmo deve estar ocorrendo nas satélites. O superpovoamento do Distrito Federal pode estar propiciando o crescimento do número de urubus, atraídos pelos despejos de detritos sem maiores cuidados ambientais.

Não podemos esquecer o perigo que o urubu representa para a aviação. Pode derrubar um boeing. Acredito que antes de se descobrir o que estaria atraindo essa ave para o Plano Piloto, devia ser bolado um plano para afastar o urubu das proximidades do aeroporto JK. Não pode se repetir aqui o que vem ocorrendo em Manaus, onde o espaço aéreo é ameaçado por excesso de urubus. Vamos limpar o nosso “mar”.


ARATACAS EM AÇÃO



Narcelio Limaverde



Há alguns anos tentei melhorar o faturamento. Era funcionário público e, por incrível que possa parecer, trabalhava muito e ganhava pouco... Resolvi me submeter a um concurso  no IBGE. Passei e comecei meu trabalho como recenseador, no bairro Jardim América, conforne sorteio, e no dia determinado comecei meu trabalho, nas ruas Ana Neri, Delmiro de Farias, Major Weyne, com enorme pasta debaixo do braço, cheia de formulários para as anotações. 

Na primeira casa quase apanhava de um maluco. Ele não aceitou minha presença em seu quarto. Na segunda um mais ajuizado pensou que eu estava recrutando homens para a guerra do Vietnam. Era no tempo dessa guerra comandada pelos sobrinhos do Tio Sam, lá pro fim do mundo...  Foi dificil explicar que era um trabalho do governo brasileiro, para saber o número de habitantes do Brasil. Nem bem me livrava dos primeiros problemas, na casa de uma loura perguntei qual era a ocupação principal de seu pai. Ela ficou calada até que chorando muito disse: "Meu pai está internado no Leprosário". Foi dificil consolar a jovem, num tempo em que os leprosos eram segregados da sociedade e levados para hospital em Canafístula, distante uns 70 quilômetros de Fortaleza.  

E o que me levou a pensar em Vietnam, Saigon, hoje Ho Chin Min? É que chegou as minhas mãos a revista Entre Lagos, editada em Brasília, último número. O título do artigo "Cabra Arretado. Um cearense na guerrra" me encheu de curiosidade. Quando a gente vai ficando velho a memória para as cousas antigas é muito boa, enquanto que para os fatos mais recentes, é mais dificil... No artigo há referência ao cearense que foi ser correspondente de Guerra no Vietnam. Luiz Edgar de Andrade foi o único jornalista cearense que cobriu a guerra no sudeste asiático.  

Eu sou daqueles cabeças chatas orgulhoso de seus conterrâneos. Fiquei logo interessado, porque eu sabia que um cearense, o jornalista Luciano Carneiro, teimoso como todos somos, também tinha viajado, como repórter da revista Cruzeiro, para  bem distante de sua terra natal. E no deserto do Saara, num daqueles oásis, com sede, parara um pouco para um refrigerante. E, admirado,  constatou, o vendedor era do Ceará.  

Contavam também outra história de cabeça chata num circo na Europa. Ele procurava emprego e conseguiu um de leão. Para tanto vestiria uma roupa apropriada com juba e tudo característico de um rei dos animais. . Ficou com medo, mas como estava com fome, aceitou a missão.  Quando entrou na jaula viu outro rei dos animais vindo em sua direção. Com medo disse logo "Tou lascado". O outro leão ouviu e: " Arre égua, macho, tu também é cearense"? 

Voltando ao artigo da revista Entre Lagos, o relato é bem interessante sobre Luiz Edgar de Andrade Furtado, este seu nome completo.  Ele contou para Wilson Ibiapina, autor da matéria, que, na guerra, jornalistas como ele usavam fardamento semelhante aos dos soldados americanos. A diferença era que no lugar da arma usavam papel, caneta, máquina fotográfica. Com medo dos vietcongs, Edgar contou que, como um filho de Errol Flynn (aqui minha memória recorda o grande artista, protagonista do filme Capitão Blood) mandou bordar na farda a expressão Bao Chi, que na língua lá dos asiáticos significava "imprensa, não me mate", ele fez o mesmo. 

Soube que   Luiz  Edgar de Andrade Furtado escreveu um livro de memória sobre sua presença no Vietnam, com esse título, mostrando o ambiente de tensão e loucura, solidão e medo vivido por ele como correspondente. E eu lendo esse artigo recordei Luiz Edgar, filho do líder católico Manuel Antonio de Andrade Furtado, dirigente do jornal O Nordeste relevante figura da administração e política dos anos 40/50 em nosso Estado. Em determinado momento de minha profissão apresentei com Luiz Edgar o Jornal Sonoro Iracema, emissora dos Irmãos Parente, Flávio e José, às seis horas da manhã. Ele hoje, formado em direito e filosofia e com pós-graduação em jornalismo na França, nem deve se lembrar dessa humilde passagem dele pelo rádio, como meu colega, de Irapuan Lima, Peixoto de Alencar e Armando Vasconcelos. A história contada pelo jornalista Wilson Ibiapina, faz jus ao personagem, com o título Cabra Arretado. E eu aqui vibrei com mais esse heroismo de um cabeça chata.


domingo, 10 de junho de 2012

PULANDO A CERCA





Wilson Ibiapina

As coisas mais bonitas do mundo são os filhos da gente e as mulheres dos outros. A frase do jornalista Rangel Cavalcante serve para mostrar que o décimo mandamento “não cobiçar a mulher do próximo” está atualíssimo. E também para provar que desde que o mundo é mundo o homem e a mulher não conseguem dominar o instinto sexual. 

O cara tem uma mulher maravilhosa em casa, mas vai atrás da outra, até mais feia que a dele, por puro desejo, tara, sei lá o que. A verdade é que a traição está institucionalizada em todo o mundo. Existem no Brasil sites destinado aos que buscam pular a cerca com sigilo e discrição.

Em Brasília tem gente que especializou em relacionamento extra conjugal. Adora mulher casada, principalmente as dos amigos dele. Certa feita, um cidadão, vítima do conquistador, foi bater na casa de um amigo, no Lago Sul, tão logo descobriu que sua mulher estava de caso com o tal garanhão. Chegou e foi pedindo logo uma dose dupla de uísque. Aos prantos desabafou: 

- Olha, minha mulher está me traindo com fulano. Juro que preferia que fosse com você. 

O marido já sabia, também, que sua fogosa mulher já tinha passado no papo do confidente amigo.

Infidelidade é mais comum do que você pode pensar. O ator Marcos Caruso chegou a escrever a peça “Trair e coçar, é só começar”. Volta e meia nos surpreendemos quando descobrimos que aquele vizinho com cara de inocente é um tremendo conquistador de mulheres comprometidas. As casadas, se iludem, são mais discretas, não se apaixonam com facilidade, são melhores para rápidas aventuras. É aí que mora o perigo.Um empresário cearense marcou um encontro com a mulher de um amigo dele. Ela estava no Rio e ele em Fortaleza. Foram para um hotel em São Paulo. Coisa rápida, encontro de uma noite. Teria sido uma maravilha se ela não tivesse morrido de enfarte. Até hoje não sei como ele se explicou pro marido traído.

Há poucos dias, numa roda de vinho, num bar em Brasília, o assunto era aventura extraconjugal. Um dos presentes contou o sufoco que passou certa noite. Levou uma garota para o Hotel Eron. Por volta da meia resolveu ir pra casa e a mulher pediu pra ficar mais um pouco no hotel. Ele até providenciou mais uma garrafa de champanhe. Já em casa, começou a lembrar a história de um jornalista mineiro que morava no Rio. Ele deixou a garota de programa no hotel e foi pra casa. No dia seguinte, ao chegar à redação, soube que ela tinha pulado do prédio. O cara de Brasília disse que entrou em pânico. Temendo que o caso se repetisse com ele, pegou o carro e foi direto pro Eron. Graças a Deus, a mulher já tinha ido embora.

Tem gente que adora contar seus casos. Contam suas traições como se fossem a maior aventura do mundo. Às vezes pinta arrependimento, mas aí, não tem mais jeito, traição é traição. Homens e mulheres traem na mesma proporção. Tem uns que, dependendo do traidor, até incentivam a mulher, pensando em recompensa, sei lá. O que não falta é corno manso.


Em Araxá, um fazendeiro que transava com a mulher do vaqueiro, foi surpreendido um dia com um pedido para uma conversa reservada. Armou-se de revólver e quase não acreditou no que o vaqueiro lhe disse: Doutor, tenho certeza que a Matilde está nos traindo.


Existem pessoas que adotam a poligamia como estilo de vida. Adoram ter duas mulheres como aquele deputado baiano que ficou viúvo. A amante toda alegre achou que iam casar. E ele, "se eu casar com você vou ter que arranjar outra amante". Ela preferiu ficar no posto. Em Fortaleza, um cidadão setentão, que também ficou viúvo, ouviu a mulher com quem tinha um caso há mais de 30 anos fazer a proposta:

 -E aí meu velho, então, vamos casar?


- Quem vai querer nós minha velha...



Donde se conclui: amante é também um cabra descarado.


sábado, 2 de junho de 2012

O CANGAÇO E SUA INFLUÊNCIA NA ESTÉTICA



João Soares Neto*

Na Exposição da Galeria BenficArte  Nosso Chico Anysio”, em abril passado,  descobrimos vários talentos. 

Exposição “Nosso Chico Anysio 
Um deles, Jô (Joaquim) Fernandes, paranaense que deixou as araucárias, os pinheiros-do-paraná, símbolo das árvores daquele estado, para se embrenhar, desde 1974, no imaginário da caatinga local. E o fez com o destemor do publicitário, do vendedor de sonhos, do marchand que cria e comercializa adornos e do artista plástico que se propôs a entender as vidas e as artes/manhas do cangaço, como se fosse um oriundo culto.

Jô Fernandes preparou para a Galeria Benficarte esta  bonita exposição. Ele busca, em acrílico sobre telas, como se fosse um antropólogo/pintor ou um sociólogo da arte do cangaço, mostrar esse lado pouco coligado e cultuado do Capitão Virgulino Ferreira, o Lampião. E o faz misturando consciente/inconsciente, e descobre que os adereços usados pelos cangaceiros constituem parte do conteúdo da arte armorial identificada, codificada e pontificada, desde 1970, pelo escritor  paraibano/pernambucano Ariano Suassuna.

O drama, a carnificina, a pilhagem, a revolta, ou como que se queira chamar o tempo do bando de Virgulino Ferreira, de sua companheira Maria Gomes de Oliveira (Maria Bonita) e de seus asseclas, foram, paradoxalmente, os despertares de uma arte singela na criação, estilização e produção do múltiplo de saqueador/vingador/estilista/bordador/costureiro/dançador. 

Desde os chapéus de couro adornados com espelhos, flores e desenhos octogonais em gibões, calças, camisas/blusas, perneiras, embornais, sacolas/bolsas, cantis, alpercatas  e até nas bainhas de armas de fogo e brancas. Tudo é estilismo puro, mesmo que essa palavra quiçá tenha passado pela mente desses facínoras/criadores de arte.

É essa face lúdica e estética de Lampião, de Maria Bonita e dos demais cangaceiros que Jô Fernandes, um “nordestinado”,  como ele auto se intitula, tenta expressar no projeto  “O Cangaço e sua Influência na Estética”, que a Galeria BenficArte expõe a partir deste domingo,  03 de junho,  aos olhos e ao pathos dos seus visitantes. Ela é uma visão social transformada em arte.



*João Soares Neto não é crítico de  arte

VAMOS COMER FARINHA?





Wilson Ibiapina

Galinha com farinha lembra a infância. Morava em Ibiapina quando vi, pela primeira vez, ela sendo preparada para a viagem a Canindé. As malas estavam prontas. Faltava a peça de resistência da viagem de um dia. A galinha, bem temperada, cortada em pedaços, foi pra panela. Parecia uma festa na cozinha. As pessoas ajudando minha mãe, colocando mais lenha no fogão. Depois de cozida a galinha recebeu a farinha de mandioca. Com a colher de pau dona Dalva foi misturando ao caldo temperado que virou a farofa mais gostosa que comi na vida. 

Na viagem, não pensava na roupa de São Francisco que teria de vestir para pagar a promessa para meu irmão ficar bom de uma poliomielite. Ia olhando a paisagem mas só via a galinha com farofa que minha mãe guardava numa lata de biscoito, carregada no colo, com todo cuidado. Nunca esqueci o cheiro que saiu quando a lata foi aberta para o almoço. Tenho certeza que o cheiro tinha um sabor que ainda me enche a boca e um odor que invade o nariz. 

O caminhão de duas boléias levantando poeira na estrada e nós devorando a galinha preparada na véspera. Se a farinha fosse da Europa, estaria hoje entre os melhores complementos da culinária mundial. Acontece que as pessoas sentem vergonha da farinha. Tentam esquecer que um dia foram farofeiros, palavra que, inclusive, identifica os que levam farneis para a praia ou piqueniques.

A farinha não serve para fazer pão, mas é perfeita para a farofa, beijus, pirões. Acompanha assados de carne, ave ou peixe. Já imaginou um churrasco ou um frango sem farinha? Além dos nordestinos, gaúchos e mineiros se amarram numa farinha. Tem gente com tanta prática de comer farinha que causa inveja .Pega a farinha com a mão, joga de longe na boca e, com perícia, não deixa um só grão cair. 

Vamos comer farinha sem culpa. O escritor mineiro Luis Giffoni diz que ela tem a praticidade exigida pela vida moderna. “É o fast-food tupiniquim, com a vantagem imbatível: dura um dia, tempo infinitamente maior ao dos hamburgueres que, em cinco minutos, ficam intragáveis aos olhos e ao estômago.”



ESTÍMULO



O  desembargador escritor Durval Aires Filho, depois de ler o Conversa Piaba:
 
WI: sempre escuto a Conversa Piaba. Espera: sendo impresso, não escuto, vejo e, aproveitando a visão, leio.  

É leve o formato e o texto é gostoso. Tem quase tudo que gosto, digo do papo, das crônicas, das variedades de temas soltos. Na verdade, pra mim,  funciona como uma "boa nicotina", portanto,  um alívio para quem passou o dia ouvindo notícias de política ou de mercado, e examinado sentenças de "cognição saturada". 

abçs. Durval Filho.

GREVE E VIOLÊNCIA




                           
João Soares Neto, escritor

A palavra greve, tal como hoje é usada, tem origem na “Place de Grève”, em Paris, local próximo ao porto do Rio Sena onde, no século XIX, trabalhadores e desempregados faziam manifestações de toda a ordem por melhores condições de trabalho e salários justos.

Aqui, a jovem democracia brasileira consagrou o direito de greve. A Constituição de 1988, no seu art.9, diz: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele exercer”. No ano seguinte, a regulamentação da greve (lei 7783/89) no art.6º., parágrafo 3º., estabelece seus limites: “As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaças ou dano à propriedade privada”.

Destruição na sede do Diário do Nordeste

O que se viu, recentemente , em Fortaleza, no atentado à sede do jornal Diário do Nordeste, foi o total desrespeito às normas estabelecidas para o indiscutível direito grevista. Quando se ultrapassa a sensatez e, como horda, viola-se a propriedade privada, há uma ruptura do direito e do diálogo, que deve ser o fio condutor para a solução de todos os problemas individuais e coletivos.

Portaria do Diário do Nordeste foi depredada por operários/ Foto: Reprodução

A ação dos sindicatos é cabida, mas é preciso preservar o que assegura e determina a lei. A propriedade privada que é atingida é a mesma que assegura empregos e, ao que consta, a maioria era de trabalhadores da construção civil e não haviam sido esgotados os canais de comunicação que viabilizam o entendimento entre as partes. Greve é direito. Depredação é violência.

O ÓBVIO ULULANTE DE NELSON RODRIGUES


Nelson Rodrigues

O jornalista Ayrton Rocha manda pro blog o artigo que Arnaldo Jabor publicou no Estadão sobre o pernambucano Nelson Rodrigues, o  inventor do óbvio. Veja que pérola:


"Os 100 anos de Nelson Rodrigues estão sendo celebrados por muita gente que o criticou em vida e hoje o glorifica. Tanto as depreciações quanto alguns louvores são descabidos - ele não era nem pornográfico nem um escritor aspirando à condição de estátua. Nelson adorava elogios, mas odiava os "medalhões".


NR é importante como inventor de linguagem. A importância de sua obra está onde ela parece 'não ter' importância. Onde ela é menos "profunda" - ali é que se encontra uma qualidade rara. Era fácil (e justo) considerar 'gênios' homens como Guimarães Rosa ou Graciliano, mas Nelson nunca coube nos pressupostos canônicos. Sua obra é um armazém, um botequim geral, uma quitanda de Brasil.

Formado nas delegacias sórdidas, vendo cadáveres de negros 'plásticos e ornamentais', metido no cotidiano marrom do jornal do pai, Nelson flagrou verdades imortais que estavam ali, no meio da rua, na nossa cara, e que ninguém via.
Uma vez ele me disse: "Se Deus perguntar para mim se eu fiz alguma coisa que preste na vida, eu responderei a Deus: 'Sim, Senhor, eu inventei o óbvio!'"

Filho do jornalismo policial, Nelson desconstruía o pedantismo tão comum entre nossos escritores.

Uma vez ele me disse ao telefone que o "problema da literatura nacional é que nenhum escritor sabe bater um escanteio": ensolarada imagem esportiva para definir literatos folgados. Até hoje, muita gente não entendeu que sua grandeza está justamente na observação dos detritos do cotidiano. A faxina que Nelson fez no teatro e depois na prosa é semelhante à que João Cabral fez na poesia. Nelson baniu as metáforas a pontapés "como ratazanas grávidas" e criou antimetáforas feitas de banalidades condensadas. "A poesia está nos fatos", como escreveu Oswald no Pau Brasil. Pois é, Nelson também odiava metáforas gosmentas. Suas imagens não aspiravam ao "sublime". Exemplos: "O torcedor rubro-negro sangra como um César apunhalado", "a mulher dava gargalhadas de bruxa de disco infantil", "seu ódio era tanto que ele dava arrancos de cachorro atropelado", "a bola seguia Didi com a fidelidade de uma cadelinha ao seu dono", "o juiz correu como um cavalinho de carrossel", "o sujeito vive roendo a própria solidão como uma rapadura", "somos uns Narcisos às avessas que cuspimos na própria imagem", "vivemos amarrados no pé da mesa bebendo água numa cuia de queijo Palmira", "hoje o brasileiro é inibido até para chupar um Chica Bon".

Visto por ele, tudo boiava no mistério: os ovos coloridos de botequim, as falas dos 'barnabés', as moscas de velório no nariz do morto. Nelson fazia a vida brasileira ficar universal, não por grandes gestos, mas pelo minimalismo suburbano que ele praticava. E o sublime aparecia na empada, na sardinha frita ou no torcedor desdentado.

Sua obra é um desfile de tipinhos anônimos, insignificantes - nisso aparecia sua grandeza desprezada. São prostitutas bondosas, cafajestes poéticos, canalhas reluzentes, vagabundos épicos, sobrenaturais de almeida, adúlteras heroicas e veados enforcados. Ele me dizia: "O que estraga a arte é a unidade..."

Ele dava lições de arte e literatura: "Enquanto o Fluminense foi perfeito, não fez gol nenhum. A partir do momento em que deixou de ser tão Flaubert, os gols começaram a jorrar aos borbotões, pois a obra-prima no futebol e na arte tem de ser imperfeita." Existe coisa mais 'contemporânea'?

Gilberto Freyre sacou sua "superficialidade profunda", assim como André Maurois entendeu que a genialidade de Proust era "a épica das irrelevâncias..." E isto é muito saudável, num país onde ninguém escreve um bilhete sem buscar a eternidade.
Nunca deixava a literatura prevalecer sobre a magia dos fatos. Sempre um detalhe inesperado caricaturava os dramas. No meio da tragédia, vinha a gíria; no suicídio - o guaraná com formicida; no assassinato - a navalhada no botequim; na viuvez - o egoísmo; nos enterros - a piada.

Uma vez, me contou que viu uma família esperando num hospital a notícia sobre um filho atropelado. Morreu ou não? Afligiam-se todos, vistos pelo Nelson através do vidro do corredor. Viu o médico chegar e dizer que o menino tinha morrido. "Eu vi pelo vidro. Não ouvi um som. A família começou a se contorcer em desespero. Pai, mãe, tios gritavam e, através do vidro, pareciam dançar. Pareciam dançar um mambo. Daí, eu concluí a verdade brutal: a grande dor dança mambo!..."

Nelson recusava teorias. Contou-me um episódio hilário: uma vez o Oduvaldo Viana Filho e Ruy Guerra, grandes artistas, chamaram-no para escrever um roteiro de filme sobre uma mulher adúltera. Nelson foi trabalhar com eles, mas desistiu e me disse: "Parei, porque eles queriam que a adúltera fosse para a cama do amante e traísse o marido movida apenas pelas 'relações de produção'...."

Ele intuiu na época que a vulgata do marxismo era o ópio dos intelectuais. Foi chamado de fascista porque puxava o saco do Médici, para ver se soltava o filho preso havia anos. Eu mesmo sofri por causa dele; em 1973 ousei filmar Toda Nudez Será Castigada e dei uma entrevista na Veja em que disse que "fascismo é amplo: existe fascista de direita e de esquerda também". Pra quê? Mandaram um manifesto à revista onde me esculhambavam indiretamente, dizendo que o sucesso imenso que o filme fazia "não era a missão do cinema novo". Foi das grandes dores que senti, pois até amigos assinaram o maldito texto, que só não foi publicado porque, um dia antes, os generais tiraram o filme de cartaz, com soldados de metralhadora, levando as cópias dos cinemas. Aí, meus amigos comunas tiraram o texto, "para não dar razão ao inimigo principal", que era a ditadura, a censura. (Eu e Nelson éramos inimigos secundários, para usar o termo de Mao Tsé-tung). O filme voltou ao cartaz porque ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim e os generais ficaram com medo da repercussão e liberaram a exibição.

Se fosse vivo, ao ver os escândalos atuais, repetiria a frase eterna: "Consciência social de brasileiro é medo da polícia."

O POETA E BRASÍLIA




Elício Pontes é cearense de Nova Russas. Cresceu em Crateús, morou em Fortaleza, onde tornou-se jornalista e radialista e vive em Brasília, onde foi professor da UnB.

Elício Pontes
Formado em Pedagogia pela Universidade Federal do Ceará, é mestre em educação pela University of Southern California e doutor pela Universidad Nacional de Educación à Distancia, da Espanha. É irmão do jornalista Mário Pontes, que durante anos brilhou nas páginas do Jornal do Brasil. 

Elício tem dois livros de poesia. Num deles - “Metade de mim é verso” revela sua decepção com o que estão fazendo com a cidade  que adotou junto com os filhos e a amada Olívia.

BRASÍLIA CINQUENTONA

“Quando cheguei, o rosto da cidade
se pintava de vcrmelho
com o pó da terra goiana.


Ética não era uma palavra
era um sentimento
um gesto.
Praticava-se o encontro
o riso franco e honesto
ao amigo desconhecido


Quero de volta a poeira
que sujava apenas os sapatos.
Quero juntar de novo
o pó e a ética,
fundir numa palavra
a imagem verdadeira de Brasília:
Poética

VAI SER ASSIM




Wilson Ibiapina

Estava voltando do almoço para o trabalho, liguei o rádio do carro para ouvir a previsão para o fim de semana em Brasília. Estava lá, na CBN, a comentarista Marília Juste falando sobre supervulcões. 

Quando a gente pensa que ficou livre dessa história de fim do mundo, com cientistas dando uma versão amena ao Calendário dos Maias, uma comentarista aparece avisando: um supervulcão pode acabar com a Terra daqui a milhares de anos ou daqui a pouco.

Confesso minha ignorância. Nunca tinha ouvido falar nestes vulcões com potencial de gerar catástrofe global, extinção em massa. E os supervulcões são muitos. Estão espalhados em várias regiões do planeta. O termo supervulcão apareceu num programa científico da BBC de Londres. Desde 2004 vem sendo usado em artigos. 

E a comentarista foi explicando. Um surpervulcão não fica num monte, como a gente está acostumado a ver. Eles formam grandes caldeiras que após a explosão se parecem mais com crateras; ao contrário dos vulcões comuns que possuem normalmente domo em forma de cone devido ao acúmulo gradativo de lava expelida pelo topo. 

Fui lá no Google: “As crateras formadas por supervulcões são enormes e podem ter algumas dezenas de quilometros de extensão, algumas sendo percebidas apenas por imagens de satélite. 

Yellowstone
Um dos maiores deles, é o Yellowstone , que fica nos Estados Unidos. tem sua caldeira com mais de 60km de diâmetro. Ele é monitorado por cientistas. Todos os anos, o solo em Yellowstone tem uma elevação, um inchaço, devido ao Magma e pressão interna da caldeira, esse inchaço é de 5 a 7 cm por ano.

A comentarista explicou didaticamente. A explosão de um supervulcão desses seria equivalente a milhões de bombas nucleares. Lembra o transtorno que aquele vulcão – o EYJAFJALLAJÖKULL, que entrou em erupção ano passado? Pois bem, um outro vulcão, o Katla, vizinho desse de nome complicado, está prestes a acordar. Ele é coberto por uma grossa geleira que vai derreter, causando inundações. Uma espessa camada de nuvens de cinzas vulcânicas irá refletir a luz solar gerando queda da temperatura. Substâncias tóxicas na fumaça criarão risco de extinção biológica dentro do território islandês, e as consequências do Katla irão facilmente ultrapassar a do outro, que afetou o transporte aéreo europeu.


Tudo isso será pinto diante da erupção de um supervulcão. Ela advertiu: O supervulcão do Yellowstone, nos Estados Unidos, está quase pronto para explodir. A imensa deformação do solo nessa área é o principal sinal que um "terremoto lento" de tamanho e poder de devastação enormes pode na verdade já estar a caminho. Estaria formando magma quente dentro de sua cratera, o magma empurrará as rochas do interior; na parte mais fraca da formação de rocha que forma as paredes da cratera, o magma começará a empurrar para cima e/ou para fora, criando uma "deformação no solo ou nas rochas".

A erupção de um supervulcão fará o dia virar noite. Fumaça e cinzas taparão o Sol, matando a vida na terra.  Marília Juste terminou falando da importância das pesquisas para se descobrir vida em outro planeta, um lugar para onde possamos nos mudar antes da explosão final, do chamado Big Bang provocado por um supervulcão. E eu que só queria saber como ia ser o tempo no fim de semana.

Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina