sexta-feira, 11 de junho de 2021

UM CEARENSE SURREAL

Wilson Ibiapina


Darcílio Lima ainda jovem, no apogeu criativo


O cantor e Compositor Raimundo Fagner, que também é pintor, foi quem lembrou-me do artista cearense Darcílio Lima, com quem morou num castelo na França. O desenhista, gravador e pintor autodidata nasceu em 1944 em Cascavel, Ceará.  Só alguns intelectuais cearenses conhecem Darcílio Lima, que começou a pintar temas regionais em 1951 em Fortaleza. No inicio dos anos 60 mudou-se para o Rio.  A biografia dele na Internet diz que depois de pintar paisagens e jangadas seguiu-se a fase de nus femininos, tendo aderido, em seguida, ao surrealismo. Em 1966 chegou a ser internado na Casa das Palmeiras, instituição mantida pela psiquiatra alagoana Nise da Silveira. Desde então, ele nunca mais parou de sofrer de distúrbios mentais.

Viajou por vários países, aprofundando seu conhecimento. Mas só ganhou fama e dinheiro depois de participar do Festival de Arte Surrealista, em Londres, quando conheceu Salvador Dali, que ficou fascinado pelo pintor cearense, seu aprendiz e discípulo. Darcílio era considerado uma referência no surrealismo. O jornalista pernambucano Carlos Marques, que mora em Paris, conta que graças ao patrocínio de Dali o pintor cearense passou a viver como um milionário que tomava banho de perfume francês e andava impecavelmente vestido. Cultivava no rosto um bigode bem cuidado. Seus quadros eram vendidos a peso de ouro nas galerias de arte da Europa. Nessa época ele morava  em um apartamento no Quartier Latin e num castelo em Angers, perto de Paris. O jornalista Carlos Marques chegou a morar com ele no castelo que servira de pousada a Hitler numa de suas idas secretas a França.

Foi quando o cantor Fagner foi passar uns dias no castelo, a convite de Carlos Marques. Um passeio que ele nem gosta de lembrar. Um frio de cortar  a alma corria pelo castelo e o pintor não usava o aquecedor. Passava o tempo  dentro de uma banheira com um cavalhete ao lado, as mãos secas e um olhar cadavérico. Fagner conta que Darcílio colocou ele e o Carlos Marques nos dois quartos mais distantes e passava a noite andando de um lado pro outro pisando naquelas madeiras velhas de uma maneira sinistra. Lembra Fagner: "a cama e os móveis eram enormes, de cores escuras o que deixava o ambiente ainda mais pavoroso. Ele pisava tábua por tábua milimetricamente. Uma assombração que fazia com que o dia demorasse a chegar". Quando clareava, ele pegava uma bicicleta e ia buscar comida. Os três passavam o dia numa mesa enorme com um frio de rachar ouvindo as histórias de cortar a alma.

Carlos Marques conta no seu livro "Lá Sou Amigo do Rei" que rompeu com o pintor por causa da cantora norte americana Joan Baez. Ela estava em turnê pela Europa. Depois de entrevistá-la, conversou  sobre Darcílio e ela quis conhecê-lo. Errou quando propôs uma sessão de fotos da cantora com o pintor. O cearense, que odiava a tudo que era POP negou-se a posar ao lado "daquela piranha". Depois de uma discussão, Carlos Marques que havia tomado umas taças a mais de vinho, partiu para a  ignorância. Pegou uma tesoura e destruiu as 40 gravuras que havia ganhado de presente, cada uma valendo milhões de francos, a moeda da época na França. Enquanto Darcílio chorava, Marques pegou a mala e voltou a morar na rua, sem dinheiro e sem teto. Anos depois, Carlos Marques, para se reconciliar, marcou encontro com o  pintor em Cascavel para gravar um documentário sobre a vida dele. Os acessos de loucura estavam de volta. Carlos Marques conta no livro: "Em vez do elegante aristocrata proustiano, deparei-me com um mendigo de olhar perdido, cabelos ralos e mal cuidados. O homem que habitara um castelo em Angers morava agora nos fundos de uma velha igreja batista, ao lado de um cemitério. Em meio a divagações sem sentido, indiferente à nossa presença e a tudo em seu redor, dizia de forma lúgubre: 

- Vim morrer aqui.

Darcílio Lima, decadente, morando num cemitério em Cascavel


Raimundo Fagner mandou um vídeo gravado pelo jornalista Jânio Alves no Centro Cultural do Banco do Nordeste, em Fortaleza, sobre o artista. Veja:



Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina