segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O DIA EM QUE O BRASIL ME PERDEU






Marcelo Canellas 

Eu hoje tenho 20 anos e quero me divertir. Meu pais estão dormindo em casa e amanhã haveria um churrasco. Eu tenho a vida pela frente e quero mudar o mundo. Mas também quero namorar, dançar, rir, andar a esmo com amigos nas lombas íngremes da minha cidade. Eu sou feito da bafagem úmida da Serra Geral, dos morros que circundam a Boca do Monte, do eco metálico dos trilhos de outrora, da lembrança ancestral da Gare onde meus avós trabalhavam. Ainda que eu não tenha nascido aqui, eu tenho o viço púbere do futuro. Eu posso ter vindo das barrancas de Uruguaiana, das campinas de São Borja, das grotas de Santiago do Boqueirão, das videiras de Jaguari, de São Pedro do Sul, São Sepé, São Gabriel, Dom Pedrito, de cima da serra, não importa. Santa Maria sou eu, cidade cadinho, generosa e aldeã, que nos pariu a todos em seu útero colossal.

Eu sinto o afago do vento norte, eu vejo anciãs tomando mate na janela e cadeiras nas calçadas da Vila Belga em uma tarde quente de janeiro. Eu tenho o lastro interiorano de minha cidade, mas também as narinas abertas, os ouvidos atentos, os sentidos despertos para o que enxergo na face jovem de uma urbe sempre aberta ao novo, cosmopolita e inquieta, convidando-me para a festa da vida. Por isso celebro, brindo, bailo. Tenho o frescor do campus em meus modos, a avidez universitária do saber. Recebo, faceiro e agradecido, convite do conhecimento, as portas do desconhecido a me cortejar. Como eu não quereria viver? Então entro numa boate e não tenho mais voz, não tenho mais planos, não tenho saída.

Rogo a todos os que andaram sobre os paralelepípedos da Rio Branco para me salvar. Quero correr e suplicar socorro a quem me possa acudir. A bênção, Carlos Scliar. A bênção, Raul Bopp. A bênção, velho Cezimbra Jacques, meu Prado Veppo, a bênção Felippe d’Oliveira. Iberê Camargo, tu que estudaste no Liceu de Artes e Ofícios, ali bem perto de onde a primeira faísca espocou, a bênção. A bênção, todos os artistas e poetas da Boca do Monte. Precisamos de vocês para explicar o sentido do inexplicável. Vocês, que tiveram tempo para luzir, expliquem-nos: por que temos de findar?

Como posso adormecer, se mal despertei para o mundo? Como posso abdicar, se não brinquei o suficiente, não amei o bastante, deixei incompleto o edifício da minha história? Eu não choro só por mim, e nem meu pranto cai sozinho. Minha cidade é hoje o Brasil em luto. Minha juventude perdida é o meu país, perplexo e tonto, impotente a velar meu corpo. Santa Maria, rogai por nós.

domingo, 20 de janeiro de 2013

A BONITA E CARA PIRENÓPOLIS




Wilson Ibiapina


Você viaja 182 quilômetros de carro e sai da cidade mais moderna do país e chega a Pirenópolis, uma cidade colonial fundada por portugueses no século XVIII. 

A cidade é toda calçada com lascas de pedras, sobras da pedreira de quartzito, a famosa pedra de Pirenópolis que, depois do ciclo do ouro voltou a alavancar a economia do município. Foi usada na construções de Goiânia em 1930 e de Brasília nos anos 60. 

A iluminação das ruas lembra os lampiões a gás de antigamente. Toda a fiação, inclusive de telefone, é subterrânea. Nisso, a cidade ganha de Brasília, não se vê lá rede aérea de energia. A Capital do país era para ser assim também, não fosse o descaso da CEB.

Durante muito tempo, até meados do século XX, Pirenópolis só era lembrada por ocasião das festas, que sempre tiveram bastante destaque, como a do Divino, que vem desde 1819.

Foi mesmo Brasília que colocou Pirenópolis no mapa. A venda de pedra se intensificou, surgiram as rodovias e o brasiliense aos poucos foi descobrindo a beleza da histórica cidade. Os hippies foram os primeiros a chegar por lá, nos anos 80, desenvolvendo o artesanato. Depois chegaram os servidores públicos, profissionais liberais que foram comprando casas e a cidadde aos poucos foi sendo revigorada. 


Em 1989, a cidade dos pirineus foi tombada pelo IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, como conjunto paisagístico e em 1997 iniciou-se um projeto de revitalização do Centro Histórico, quando a igreja matriz, o cine-Pireneus, o teatro e outros monumentos foram restaurados, reformados e reconstruídos criteriosamente.

O turismo, como atividade econômica, teve um forte impulso a partir de 2000, com a divulgação maciça de Pirenópolis e Goiás através do Governo do Estado, por meio de novelas, anúncios televisivos, revistas e até do carnaval carioca.

Hoje possui bons restaurantes, pousadas, lojas com muitos produtos e barzinhos. À noite, a rua do Lazer se transforma numa passarela, onde desfilam os visitantesNove cachoeiras em sete rios que compoem a bacia Platina estão à disposição de quem gosta de aventura ao ar livre.

Um belo programa de fim de semana que, infelizmente, não está ao alcance do bolso de qualquer um. Tudo lá é muito caro, tipo espanta turista. O temor é que a cidade entre num novo ciclo de decadência.








A NOITE DE DOLORES DURAN




Ayrton Rocha


Rio de Janeiro.

Capacabana.

Noite de boemia.

A boite era o Little Club, no Beco das Garrafas.

A noite era do meu bem. Era de Dolores Duran.

À noite é o bem de todos nós, românticos e boêmios. 

Das noites e da vida.

Dolores Duran foi à paixão da noite.

Ela foi à esperança da manhã.

Tudo que ela falava ou dizia, era paixão, era amor.

Dolores Duran era a namorada que todos gostariam de ter tido.

Mas nem todos tiveram a sorte do meu amigo e compositor Billy Blanco, que considerava as músicas de Dolores como ''De capa e espada, com mortes e feridos''.

Nem a sorte também de um jovem de dezenove anos, Nonato Pinheiro, bem mais novo que Dolores, que, numa noite no Little Club, pediu para ela cantar ''Castigo''. Uma canção de Dolores, que castiga qualquer coração numa noite perdida.

De pronto ela respondeu: ''O Show já terminou. Mas posso cantar em seu ouvido”. E para o jovem Nonato Pinheiro, seu maior romance, ela compôs, quem sabe, em seu ouvido, ''A Noite do Meu Bem''. Maravilhosa música de amor, que até Tom Jobim, acho eu, gostaria de ter composto.

Tanto que Tom não resistiu ao sentimento e aos encantos de Dolores e com ela fez duas de suas principais parcerias. ''Estrada do Sol'', quem não se lembra: ''É de manhã vem o Sol mais os pingos da chuva que ontem caiu/ainda estão a brilhar/ainda estão a cantar/ao vento alegre que me traz esta canção''. E, ''Por Causa de Você'': ''Ai, você está vendo só/do jeito que eu fiquei/e que tudo ficou/uma tristeza tão grande/nas coisas mais tristes que você tocou”.

Eu não sei falar em Dolores Duran do meu tempo e de todos os tempos, sem lembrar Copacabana, o Beco das Garrafas em noites cheias de fumaça de cigarros e ouvi-la cantar ''Castigo'': A gente briga/diz tanta coisa que não quer dizer/briga pensando que não vai sofrer/que não faz mal se tudo terminar''.

De ouví-la dizer, cantando, na noite enfumaçada de Copacabana: ''Eu desconfio/que o nosso caso está na hora de acabar/Há um adeus/Há um gesto em cada olhar/mas nós não temos é coragem de falar''. De ouvir, ela e o Tom Jobim juntos, cantarem ''Me dê a mão/vamos sair pra ver o Sol''.

Eu não lembro, sem chorar, ouvir Dolores Duran dizer cantando: ''Ai, a solidão vai acabar comigo''. Dolores foi a Flor da noite de Copacabana. A Flor verdadeira.

Foi a Lua cheia de um ''Fim de Caso''. Foi uma estrela da manhã num raiar do dia no lindo Rio de Janeiro Zona Sul. Ela foi à noite de Copacabana. E o dia de Ipanema.
Na Rua Gomes Carneiro, no edifício Majestic, onde morava.

Dolores foi à mulata mais linda do meu samba-canção. Ela foi à voz mais gostosa de uma noite de paixão. Dolores foi o cochicho de amor no meu ouvido. Foi o sussurro melodioso da minha emoção. Foi a Rosa mais bela, das noites, dos bares, do samba-canção.

Ela foi à paixão da noite.

Ela foi à esperança da manhã.

Tudo que ela cantava ou dizia, era amor, era paixão. ''Eu quero qualquer coisa verdadeira/um amor uma saudade/uma lágrima um amigo/Ai a solidão vai acabar comigo''.

''Não me culpes/é que eu tenho muito amor muita saudade/e estas coisas custam muito a passar. Não me culpes não/pois vai ser assim. Toda vez que você passar por mim''.

Dolores era assim mesmo. Gostava de namorar. Tinha muitos amigos. Gostava de amar.

Todas as madrugadas de sábado, quando a noite cansada deixava o Sol chegar com todos os seus raios de luz, Dolores se cercava dos amigos e levava todos de Copacabana para Ipanema, no edifício Majestic, lá na Rua Gomes Carneiro, sua casa, para uma feijoada bem Carioca, quando se transformavam numa intelectual boêmia do dia, sem nunca esquecer os romances e encantos da noite que já passou.

Numa dessas madrugadas-manhãs de sábado, sem Sol e sem raios de luz, Dolores não trouxe os amigos. Não houve feijoada. Apenas disse para a sua secretária do lar: ''Não me acorde. Quero dormir até morrer''.

A sua vontade foi feita. E ela não acordou nunca mais. E hoje com saudade eu canto: ''Hoje eu quero a Rosa mais linda que houver/e a primeira estrela que vier/para enfeitar a noite do meu bem''.

A noite de Dolores Duran.



segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

HERMÍNIO NA TERRA DO SOL




O repórter fotográfico Hermínio Oliveira foi passar o fim de ano em Fortaleza e voltou encantado com a cidade e o povo. Veja as fotos e o depoimento dele para o Conversa Piaba:


"A gente quando viaja, sempre espera ser bem recebido, em especial quando se trata de comemorar um Ano Novo que chega, e comigo não foi diferente.



Viajei com a família e amigos para Fortaleza, e fiquei na Beira Mar, e a primeira coisa que me chamou a atenção, e apesar da feirinha, foi a limpeza do Calçadão, e depois a gentileza dos motoristas ao permitir a travessia da Avenida Beira Mar pelos turistas, nem sempre na faixa de pedestres, nos restaurantes não foi diferente, sempre simpáticos.

Mas na Praia do Futuro, me surpreendi com meninas trabalhando para o Gov , distribuindo a todos, com o apoio da Secretaria das Cidades do Gov do Estado do CE, sacos para colocação do lixo, dentro do projeto Praia Limpa, com informações sobre saneamento, muito importantes para a melhoria da qualidade de vida.



As comemorações da Passagem do Ano foram um espetáculo, com uma bela queima de fogos na Praia de Iracema, em suma, fiquei feliz e recomendo aos meus amigos que façam férias em Fortaleza.












domingo, 6 de janeiro de 2013

O NOME DELA É JEROPIGA E VEM DE PORTUGAL




 Wilson Ibiapina
 
Todas as vezes que viajo para Portugal tem sempre um amigo dando dicas de lugares, comidas e bebidas. Lembro que foi o repórter fotográfico Orlando Brito quem me apresentou a Ginjinha. " Vai alí num boteco, ao lado do teatro, no Rossio, que você encontra". Todo final de tarde, estão lá muitos jovens, com copinhos de plástico na mão, conversando e bebendo ginginha.

Entre um vinho, uma bagaceira ou um tinto fui conhecendo outras delícias como a aguardente velha, que os portugueses consideram mais saborosa que o conhaque francês; Na última viagem que fiz na companhia do casal de portugueses Branca e Bragança, fui apresentado a um licor, o Jeropiga.



Agostinho Gonçalves é engenheiro de avião, trabalhou muitos anos em Moçambique como funcionário da TAPHoje, aposentado, curte a vida. Mora em São João do Estoril, onde, por diletantísmo, fabrica bagaceira e Jeropiga, o licor especial que fez questão que trouxesse para Brasília.

Ainda não abri a garrafa para sentir o sabor, mas comentei com o Hermínio Oliveira sobre o presenteO portuga que é fotógrafo, mora há muitos anos em Brasília e que conhece tudo de Portugal, me disse na hora que é líquido precioso, bebida alcoólica tradional de Portugal que está sempre à mesa da família lusitana.


Graça ao meu amigo fotógrafo, fiquei sabendo que ela é preparada adicionando aguardente ao mosto de uva para parar a fermentação, ficando uma bebida mais doce e mais alcoólica que o vinho. O dicionário Houaissdiz que o vocábulo pode ser uma corruptela de "xaropiga", inventada a partir de xarope. Agostinho,  que me presenteou com uma garrafa preparada por ele, em casa, disse que adicionou um litro de aguardente a cada três mosto, agitou no garrafão e deixou repousar até o magusto.



Como não tinha universitários, pedi a ajuda do Hermínio, de novo. Ele teve que explicar que o Magusto é festa popular que comemora o dia de São Simão, o dia de Todos os Santos ou o dia de São Martinho. A celebração que ocorre também nas Astúrias ou na Galiza, onde se chama em galegode Magosto. Como meu organismo tem problema com açúcar, vou de bagaceira e aguardente velha. Deixo a Jeropiga para amigos mais sadios que gostem de licor.


O EQUILIBRISTA



O Hermínio Oliveira registrou o garçon Donizete recolhendo os pratos na Churrascaria Espeto de Ouro, no Setor Hoteleiro Norte de Brasília. Com uma mão segura a bandeja, com a outra vai empilhando  os pratos, coisa de profissional. 

Por onde  passa, o cliente fica com medo que algum prato despenque em cima dele. Donizete, confiante no taco, afirma que nunca caiu nada de sua bandeja.


quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

MAIS UM NATAL QUE PASSOU...




Rui Pinheiro Silva


O Natal passou e com ele seguiu a nostalgia que sempre me aflige nessa  época do ano.  Os mais idosos, vão ficando tristes e, mesmo com esforço, não  conseguem  livrar-se dessa melancolia que lhes maltrata a alma.  São lembranças da infância ou do tempo dos filhos, ainda, crianças, quando Papai-Noel à noite vinha colocar ao lado deles aquelas simbólicas dádivas, tão bem acolhidas.  Hoje, os meninos cresceram, seguiram suas  vidas, formaram suas famílias... Seus filhos, já adolescentes, vão também  casando, formando nova geração.

Assim é o ciclo da vida.  “Todos estamos aqui de passagem. Viemos observar, aprender, crescer, amar e voltar para casa”, é um dito aborígene australiano que, de vez em quando, recito.  As recordações, às vezes, maltratam e trazem lágrimas aos olhos, mas se o amigo não cultiva  lembranças da própria vida, dos episódios mais importantes do seu passado, talvez  ainda haja tempo de fazê-lo. É necessário e faz muito bem ao coração. Se possível, conte aos filhos  e, até  à sua mulher, se ela se dispuser  a ouvi-lo. 


Mas, atenção, se policie, não seja repetitivo, pois é cruel quando isso é passado na cara, por mais simples e desinteressante que  tenha sido o acontecimento. As nossas lembranças  serão sempre  sagradas. Não brinque com o passado de quem é uma pessoa digna, honrada e laboriosa, como é o amigo. Rebele-se, mesmo com moderação.  Isto  posto, vou presentear aos meus poucos leitores esta pérola do grande poeta gaúcho, Mário Quintana, há pouco desaparecido:  

“Brinquedo de Criança  ... E nada mais me importa...Aqueles dias de uma luz tão mansa  

Que me deixavam, sempre, de lembrança,  Algum brinquedo novo à minha porta...  

Mas veio um vento de desesperança

Soprando cinzas pela noite morta!   

E  eu pendurei na  galharia  torta  Todos os meus brinquedos de criança ... Estrada afora, após, seguí... Mas, aí...  

Embora idade e senso eu aparente, Não vos iluda, o velho que aqui vai: Eu quero os meus brinquedos novamente! Sou um pobre menino...acreditai... Que envelheceu, um dia, de repente.”   

Meus jovens leitores, se houver:

Quando tiver filhos, ensine-os que os brinquedos de Natal devem ser guardados no escrutínio de suas memórias e a magia e o encanto que eles simbolizam, por certo, haverão de permanecer para sempre nos seus corações.

Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina