domingo, 7 de agosto de 2022

O BAIANO QUE ESTUDAVA A LUA

 Wilson Ibiapina


Ubirajara Pereira Brito

Morre em Vitória da Conquista o cientista baiano  Ubirajara Pereira Brito. Foi nessa quarta feira, 20 de julho, dia do amigo. Era físico nuclear, poeta, cozinheiro e boêmio. Bom de papo e de copo.  Nasceu em Tremendal e estava com 88 anos. O conterrâneo dele, Carlos Henrique de Almeida Santos, foi quem me apresentou ao Bira num final de tarde no  bar do Piantela, um antigo restaurante que existia em Brasilia.

O mais notável cientista que conheci. Era conhecido mundialmente. Foi professor  da Faculdade de Ciências de Orsay da Universidade de Paris e pesquisador titular do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), entre 1971 e 1974. Na Rússia passou também pelas universidades de Moscou e de São Petersburgo. Autor de alguns livros e um grande entusiasta da educação. Foi ministro de Ciência e Tecnologia no Governo Sarney e presidiu o CNPQ. 

 

Seu nome está relacionado entre os cem cientistas mais importantes do mundo no século XX . Mesmo perseguido político pela ditadura militar de 64, que o levou ao exílio na França, junto com seu amigo Oscar Niemeyer, chegou a ser convidado pela Nasa para examinar as pedras trazidas da Lua pela missão espacial norteamericana.


A profunda admiração que tinha pelas mulheres chegou a lhe causar problemas sérios. Um dia em Paris, quando varava as noites trabalhando em uma tese, sua mulher descobriu que tinha uma namorada. Enfurecida pegou as mais de cem folhas de sua tese que estavam datilografadas e jogou tudo pela janela do apartamento. Só lhe restou olhar pela janela, para ver as folhas voando carregadas pelo vento rumo ao Rio Sena.


Oscar Niemeyer ao lado do amigo Ubirajara

Uma outra história que ele gostava de contar envolve seu amigo Oscar Niemeyer. O arquiteto tinha tanto medo da morte que evitava viajar de avião. Quando estava com uns 90 anos perguntou ao seu amigo físico se o mundo ia mesmo acabar. Bira explicou que a terra ia esfriar congelando tudo e a todos. Mas teve o cuidado de tranquilizar o amigo informando que só ocorrerá  daqui a bilhões de anos. Oscar, com uma cara de preocupação e desespero só exclamou: 


- Estamos lascados, Bira!

terça-feira, 2 de agosto de 2022

COM A BANDEIRA NOS DENTES

 Wilson Ibiapina


O Ceará é o berço de alguns heróis. Eles se revelaram de muitas maneiras, mas principalmente nas guerras. General Sampaio que foi como soldado raso, lutou em muitas batalhas e sagrou-se patrono da infantaria. 


Outro cearense que virou herói na guerra do Paraguai é João Sorongo. O escritor Rui Pinheiro Silva, em seu livro “O Cavalo de Gonela” recorda esse cearense que era um boêmio que perambulava pelas ruas e botecos da pequena Fortaleza de 1864 . Quando estourou a guerra do Paraguai o governo partiu para o recrutamento “voluntário” para reforçar o pequeno Exército que na época não passava de 18 mil homens. João Sorongo caiu na malha da mobilização que juntou homens rudes do interior, sem a menor experiência militar, despreparados, sem instrução. Foram todos levados de navio para o Rio de Janeiro, onde durante alguns meses receberiam o devido treinamento. Aconteceu que os cearenses não tiveram tempo de passar por essas instruções e foram enviados para o campo de batalha com a coragem e a cara. João Sorongo, ainda em Fortaleza, chegou a receber, na hora da partida, uma Bandeira Nacional que havia sido confeccionada com fio de ouro por moças da sociedade cearense. O escritor Rui Pinheiro conta que ”o boêmio se emocionou, chorou de orgulho e prometeu defender a nossa Bandeira com o sacrifício da própria vida”. Sorongo  mostrou sua coragem em batalhas de Tuiuti, Itororó e do Avaí , onde “a tropa, sem o mínimo preparo militar, caiu numa emboscada e foi dizimada. João Sorongo  foi encontrado pela tropa do major Carolino Sucupira. Estava com as mãos decepadas. Na boca, entre os dentes, apareciam fiapos da Bandeira. Rui Pinheiro diz que “ali estava o bravo cabo-corneteiro que nem a morte fê-lo entregar a Bandeira brasileira”.

 

Estou falando dessa mesma Bandeira que uma cantora filha de brasileiros pisoteou durante um show em São Francisco, na California. Essa senhora de mais de 50 anos é filha do cantor baiano João Gilberto e da cantora  Miúcha. Isabela Gilberto de Oliveira, conhecida como Bebel Gilberto, nasceu em Nova Iorque em 1966. Ela sambou sobre a Bandeira depois que a recebeu de um fã. Ela se desculpou. Não sei se será perdoada. Com certeza será sempre lembrada pelo protesto desrespeitoso. Depois de sapatear sobre a Bandeira, ela cantou a música Bananeira: “Bananeira, não sei / Bananeira, sei lá...”


O boêmio com a Bandeira nos dentes, a cantora com a Bandeira nos pés. 

VÉSPERA DE ELEIÇÃO



Wilson Ibiapina

 

A disputa pelo governo do Ceará está acirrada. Os políticos em campanha só faltam  se atracarem nas discussões pelo voto. Os conchavos parecem um saco de gatos. Mas já foi bem pior.

Antônio Pinto Nogueira Accioly

Nada se compara com o que  ocorreu em 1912, quando o tenente coronel Franco Rabelo, com o apoio do presidente do país, marechal Hermes da Fonseca, entrou na corrida pelo governo do  estado. Do outro lado estava Antônio Pinto Nogueira Accioly, tentando se reeleger. Accioly era rejeitado pela população, o que não o impedia de lutar para permanecer roubando, perseguindo adversários, empregando familiares e amigos. O clima estava mais para urubu que para colibri, como dizia Estanislaw Ponte Preta. As mulheres de Fortaleza, que pertenciam a Liga Feminista, resolveram  fazer uma passeata com seus filhos para pedir o  fim dos desmandos promovidos pelo presidente da província, que era como se chamava o governador. Depois de muitos obstáculos, as senhoras conseguiram a autorização e a passeata em homenagem a Franco Rabelo, candidato a presidencia do Ceará no próximo quatriênio foi marcada para a tarde do dia 14 de janeiro, um domingo.  O Sr. Manoel Franco , conduzindo a Bandeira Nacional, abriu o protesto que seguiu da praça dos Mártires pela rua Barão do Rio Branco. A adolescente Odete de Paula Pessoa segurava um estandarte com os dizeres  ”Liga Feminista pro Ceará Livre. Umas duas mil senhoras e senhoritas, todas vestidas de branco. Muitas crianças estavam no desfile que era aclamado por onde passava. Ao término, já na praça do Ferreira, os discursos de encerramento acirraram os ânimos. De repente começa um tiroteio. A cavalaria entra em ação pisoteando crianças, mulheres. Muita gente baleada. Essa reação para dissolver o protesto que estava terminando pacificamente, selou a sorte de Nogueira Accioly. Fortaleza virou praça de guerra. O povo revoltado, durante três dias fez barreiras, destruiu a  praça José de Alencar, saqueou o comércio.

O escritor Hermenegildo Firmeza conta na revista do Instituto do Ceará que um jovem cronista que usava o pseudônio João dos Gatos, escreveu num jornal da cidade que  “um pequeno garoto, de calças curtas, onze anos, um nada, em luta como um homem, surgiu de uma esquina. Sobraçava um rifle, os olhos atentos, atravessou a largura da rua, de gatinhas, como um guerreiro ensinado e perito na audácia. Um velho cético e boêmio travou o seguinte dialogo com o menino:

 -  Onde vais?

-  Para as trincheiras da rua Formosa.

- Que diabo vais fazer, lá não tem formigas para guerreares?...

-  Mas tem couro de cão para espichar...

-  E a mamadeira?

O pequeno cearense levantou o rifle e gritou:

- Levo aqui; o leite é para o Accioly.”

Franco Rabelo foi eleito mas durou pouco no poder. As crises políticas terminaram colocando no Palácio da Luz o interventor  Fernando Setembrino Carvalho, o mesmo  general que comandou o massacre aos beatos de Antônio Conselheiro em Canudos, na Bahia.

Hoje, a ambição pelo poder continua seduzindo os políticos que estão de olho na eleição de outubro. 


Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina