segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O MEDO DE CADA UM

 

 
Wilson Ibiapina
O ex governador de Minas, Magalhães Pinto, dizia que  “a política é como nuvem. Você olha, ela está assim. Olha de novo e ela já mudou”.
Quem fica olhando para o céu vai descobrir que a nuvem, além de mudar de posição também forma figuras incríveis. Não precisa esperar muito para terminar descobrindo um rosto, um animal, ou mesmo um monstro formado pelas nuvens. Tem  gente que jura enxergar disco voador se movendo. O que poucos sabem é que esse tipo de visão tem nome. Chama-se pareidolia.
O cientista americano Carl Sagan diz que é um fenômeno psicológico que envolve estimulo vago e aleatório. Nós, explica o cientista,  somos programados desde pequenos para identificar  um rosto humano. Ele acha que, provavelmente, como uma técnica de sobrevivência natural para escapar dos inimigos predadores.
A pareidolia, assim como a miragem, são tipos de  Apofenia, termo proposto em 1959 por Klaus Conrad para o fenômeno cognitivo de percepção de padrões ou conexôes em dados aleatórios, quer dizer um fenômeno  relacionado com o processo de aquisição de conhecimento.
Menino, no interior do Ceará,  certa noite voltava a cavalo da fazenda do meu avô, em companhia do meu pai e um vaqueiro. De repente, os animais pararam assustados, de orelha em pé, como estivessem vendo assombração. E estavam. Tamanho foi o meu medo quando ví  num lajedo um vulto branco se  mexendo. Era como  estivesse se abaixando e levantando. A lua, por entre nuvens, clareava e escurecia o bicho. Quando me preparava para fugir, o vaqueiro informou ao meu pai que era um cavalo, com uma mancha branca na testa, comendo capim.
A Apofenia ocorre em indivíduos saudáveis mentalmente e é uma fonte, um importante fator na criação de crenças supersticiosas, da crença no paranormal. É uma ilusão de ótica que já fez muito valente correr de medo, se sujando todo.
A partir de agora, contemple as nuvens e procure os monstros sabendo que se trata de pareidolia, um fenômeno da Apofenia.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

OS CHEFS CEARENSES


Wilson Ibiapina
A minha incompetência culinária começa no frigir dos ovos. Cozido ou estrelado vem sempre cheio de casca. No meu tempo de criança, no interior do Ceará, cozinhar era coisa de mulher. Homem na cozinha é só para atrapalhar, diziam.
Por ironia do destino, o macho cearense, apesar de todo o patrulhamento paterno, é hoje grande chef. Eu continuo  sem passar um café. Na cozinha me sinto um macaco numa casa de louça mas admirando, principalmente os  japoneses. O que causa inveja é a habilidade deles. O japonês vai usando, faca, prato, panela, colher e vai lavando na hora. Não deixa nada sujo.  Quanto termina a cozinha está um brilho.
O cearense, principalmente, o mais humilde, do norte do estado, que foge da seca, da fome e da miséria, procura trabalho nas cidades grandes. Como leva apenas a experiência  na roça ,  vai ser porteiro de prédio ou   lavar pratos em restaurantes e  até em navios. Já disseram que o cearense é o japonês da cozinha. Não cria nada, mas copia tudo que é uma beleza.  O jornalista, Marbo Giannaccini, morou no Japão como correspondente de jornais e revistas do Brasil. Toda vez que fala da coragem e da audácia dos cearenses na luta pela sobrevivência, principalmente lá fora, Marbo costuma contar uma história que ele batiza de Meu Japonês Inesquecível!. “Década de setenta no Japão. Uma reportagem me leva de Tóquio à Kobe, com uma excelente recomendação do Osvaldo Peralva, correspondente da Folha de São Paulo, ao Press Club local, que facilitou meu trabalho e, às duas horas da tarde, já havia enviado minha matéria para São Paulo.  Os jornalistas japoneses, amigos do Peralva, me levaram ao que disseram ser o melhor sushi do Japão.
Não acreditei, pois em Tóquio estão todos grandes chefes japoneses incensados pela mídia e pelos clubes gastronômicos, mas o ver para crer e o dever cumprido me fizeram acompanhá-los. Ao entrarmos no Sushiya, que é como os japoneses chamam as casas especializadas em sushi, fiquei meio decepcionado com o ambiente, que parecia um corredor longo com um balcão contínuo.
A fome e a curiosidade, porém, falaram mais alto e, depois de duas taças de sake, meus novos amigos pediram o famoso sushi.
Servido de modo tradicional, aos pares, tive uma sensação muito estranha quando o primeiro sushi se desfez na boca, aguçando todas as papilas do paladar a apreciar o que concordei em denominar o melhor sushi do Japão.
Embora a gastronomia não fosse meu forte, minha experiência, desde a infância em São Paulo no convívio com nisseis e japoneses, me permitia identificar uma boa ou má comida nipônica.
Repetimos algumas vezes aquela dupla maravilhosa e, no final, perguntei se podia conhecer o sushiasan, o chefe da casa de sushi. Não demora muito, lá vem o japonesinho jogando o corpo de um lado para outro, com o tradicional lenço amarrado na testa e nos cumprimenta com uma reverência.
Depois de apresentado como jornalista brasileiro, perguntei de chofre em japonês
 – Como é seu nome?
Foi aí que conheci meu japonês inesquecível!
 
– SEVERINO, de Ibiapina, lá na Serra da Ibiapaba, no Ceará. Mas pode me chamar de Severino da Serra Grande.
Saiu um dia do  Mucuripe, onde trabalhava carregando navio e foi navegar pelo mundo lavando prato, limpando a cozinha, fazendo comida..
Estava ali o ex-cozinheiro de navio que um dia aportou em Kobe e uma linda japonesa retemperou seu querer.”

Homenagem 80 anos Wilson Ibiapina