O jornalista e poeta cearense Paula Nei só tinha 39 anos
quando morreu no dia 13 de novembro
de 1897, no Rio de Janeiro. Levava vida desregrada e morreu jovem como
todos os seus contemporâneos. Álvares de Azevedo, 21 anos; Castro Alves, 24
anos, Fagundes Varela, 33 anos.
Quando saiu do seminário, Paula Nei, pressionado pelo pai,
alfaiate, foi estudar medicina. Leonardo Mota, na biografia do maior boêmio que
o Rio conheceu no fim do século XVIII, escreveu que esse filho de Aracati
aprontou. E lembra uma prova oral a que foi submetido quando aluno de medicina.
O professor de Obstetrícia, Visconde de Sabóia, expõe um caso de parto complicado. O mestre descreve em cores
trágicas o perigo em que se encontra a parturiente e pergunta : - Em tais conjunturas o que faria?
Paula Nei diz que faria isto e mais isto.
O mestre: - matava o feto.
Paula: - Bem, dr. Mas naturalmente eu me aperceberia disso e
lançaria mão de tais e tais detalhes.
- Matava a mãe
- Não mestre, porque, de novo, a tempo eu recuaria e passava
a proceder assim...
- Neste caso matava a mãe e o feto.
- Ah, professor, nesse caso eu via que o negócio estava mesmo
encrencado e salvaria brilhantemente a situação mandando chamar V. Senhoria.
Paula Nei comia pouco, bebia muito. Um dia, leva Aluísio
Azevedo ao boteco Caboclo, do português Quincas que abriu o verbo para o
romancista: - Olhe, isto de comedoria virou coisa do passado. Já foi o tempo.
Hoje, olhando para Nei, o povo só quer beber. Só consigo vender pastéis. Paula Nei faz um aparte: - E pensar-se, Aluísio, que isto já
foi um pais de apetite. Comia-se de tudo, até bispo. O que estragou o paladar
do nosso povo foi a civilização.
Foi andando e bebendo por esses botecos que fez amizade com
o Conde de Helzberg, um alemão que durante o dia dirigia uma empresa funerária
e à noite participava das farras de Paula Nei. Certa madrugada, o poeta
cearense queixou-se para o Conde que não tinha onde cair morto. O alemão, que
já estava embriagado, chorou comovido e prometeu que daria a ele um enterro
pomposo: “coche de primeira classe, cavalos de raça negros, cocheiro e ainda
carneiro perpétuo, missa de sétimo dia com órgão. Um funeral pra mais de 2 a 3
contos.” Paula Nei escreveu que um dia estava sem um só tostão no bolso e foi
negociar seu enterro de luxo com o Conde. Propôs rebater com desconto o seu
funeral, baixando de primeira para segunda classe. O alemão topou, deu-lhe
dinheiro e exigiu recibo. E continua Nei: “Noutras pândegas reduzi a segunda
classe à terceira e a terceira à quarta classe. Há dias, bebi o carneiro
perpétuo e hoje estou reduzido à vala comum, que é o albergue noturno da
eternidade. Antes assim! Dificilmente eu me acostumaria a morar só, num
carneiro perpétuo... Na vala comum, pelo menos, terei companheiros e
continuarei a ser na morte o que fui em vida: o homem das multidões”.
Quando da Proclamação da República, o povo saiu em passeata
pelas ruas do Rio, parando em frente a sede dos jornais que apoiaram o
movimento. Na sacada da Gazeta de Notícias, onde trabalhava Paula Nei, estavam
várias autoridades, entre elas Luís Murat e o general Serzedelo Correia. Paula
Nei completamente embriago subiu de quatro pés as escadas até a redação. De lá
, acotovelando meio mundo conseguiu chegar à sacada, transformada em tribuna
pelos oradores que se revezavam. A massa reconheceu Paula Nei e começou a
gritar o nome dele para que também falasse. Nei deu um passo em falso e foi cair nos braços do general
Serzedelo. Naquela posição ele falou: “concidadãos! O povo amparado pelo
Exército: eis a República!” O povo delirou, Paula Nei se ajeitou e fez um
aplaudidíssimo discurso.
Paula Nei foi um abolicionista. Levou seu colega jornalista
José do Patrocínio ao Ceará para reforçar a campanha abolicionista que
transformou o estado no primeiro da Federação a abolir a escravidão em 1884,
quatro anos antes da Lei Áurea. Foi José do Patrocínio que, por esse fato,
chamou o Ceará de “a terra da luz”. O feito inspirou Paula Nei que fez o poema
Abolição:
“A justiça de um povo generoso,
Pesando sobre a negra escravidão,
Esmagou-a de um modo glorioso,
Sufocando-a com a lei da Abolição.
Esse passado tétrico, horroroso,
Da mais nefanda e torpe instituição,
Rolou no chão, no abismo pavoroso,
Assombrado com a luz da Redenção.
Não mais dos homens os fatais horrores,
Não mais o vil zumbir das vergastadas,
Salpicando de sangue o chão e as flores.
Não mais escravos pelas esplanadas!
São todos livres! Não há mais senhores!
Foi-se a noite: só temos alvoradas! “
O amor de Paula Nei pelo Ceará pode ser traduzido no lema
que criou: “Pelo Brasil eu morro,
pelo Ceará eu mato. Leonardo Mota lembra que ele era de surpreendente memória e
discutia com garbo qualquer assunto. Um verdadeiro mistério, pois ninguém sabia
a que horas do dia ou da noite era que ele estudava ou lia. O biografo
transcreve uma confissão do próprio
Nei: “Eu não leio! Não leio, porém faço mais: observo. O meu livro é a
vida, obra saída dos prelos de Deus” .
Deve ter sido de lá que tirou o poema que fez em homenagem a Fortaleza:
“Ao longe, em brancas praias embalada
Pelas ondas azuis dos verdes mares,
A Fortaleza, a loura desposada
Do sol, dormita à sombra dos palmares.
Loura de sol e branca de luares,
Como uma hóstia de luz cristalizada,
Entre verbenas e jardins pousada
Na brancura de místicos altares.
Lá canta em cada ramo um passarinho,
Há pipilos de amor em cada ninho,
Na solidão dos verdes matagais...
É minha terra! A terra de Iracema,
O decantado e esplêndido poema
De alegria e beleza universais!
Coelho Neto contou, durante visita que fez a Fortaleza em
1917, que seu enterro foi uma apoteose. Havia de tudo no imenso
cortejo fúnebre, desde ministros de estado até humildes vendedores de jornal. E
todos quantos lhe viram o cadáver no ataúde se espantaram. É que lhe ataram no
alto da cabeça um lenço branco que lhe segurava os maxilares. Estava aí o
espanto de todos: ninguém podia compreender Paula Nei de boca amarrada.
Ouví, durante minha mocidade, alguns contos em que participava Paula Nei. "Andava com Castro Alves, os dois com chapéu de palhinha e bengala (costume da época), quando passa uma senhora grávida. Castro Alves bate com a bengala no chão e diz "BENGALINHA". Paula Nei de imediato bate com a bengala no chão e diz "BENGALADA".
ResponderExcluirAssim como essa tem outras que enviarei e se aproveitadas ficarei feliz
JKarvalho
Quanto a veracidade do fato não tenho comprovação.