domingo, 4 de maio de 2014

OS CIRCOS QUE ALEGRARAM NOSSA VIDA





Ainda menino em Ubajara ou Ibiapina o simples anúncio de que “ o circo chegou” era motivo de grande alvoroço nas cidades. A  expectativa era grande entre adultos e crianças. O espetáculo que íamos ver teve sua origem na antiguidade, passou pelas arenas romanas e chegou à idade média com grupos de malabaristas, artistas de teatro e comediantes viajando pela Europa. Coube ao inglês Philip Astley, em 1769, organizar as apresentações circenses debaixo de uma tenda de lona que mudava de cidade constantemente. 

O circo da minha infância no interior do Ceará não tinha cobertura. Lona só dos lados.  “Hoje tem espetáculo?"  - Tem sim senhor?  - Às 8 da noite? - Tem sim senhor. Arrocha negrada – Uuuuurrra!!! gritava a meninada que tinha um dos braços pintado com uma numeração, o que lhe daria direito a entrar de graça. A propaganda pelas ruas da cidade era conduzida por palhaços acompanhados pela garotada. Hoje temos um palhaço deputado federal, o cearense Tiririca. No passado, o máximo que um palhaço  conseguia era aparecer na televisão, como o Bozo, Carequinha ou Arrelia. O palhaço mais famoso do Brasil foi Piolin, encarnado pelo paulista Abelardo Pinto, de Ribeirão Preto. Morreu em 1973 mundialmente conhecido. Além de grande criatividade cômica, Piolin era equilibrista e ginasta. Foi considerado "o maior palhaço do mundo". Ele nasceu no dia 27 de março de 1897. O dia de seu nascimento foi escolhido para ser o Dia do Circo no Brasil.

Circo Nerino


Um outro palhaço famoso foi o Nerino. Mas esse fui conhecer quando estava mais velho e morando em Fortaleza. Minha casa ficava na avenida padre Ibiapina, ao lado da praça São Sebastião, local destinado a armação dos circos.  Nerino, dono do circo, era o palhaço Picolino Segundo que matava todos de rir com suas estripulias. O circo Nerino foi criação do pai dele, Picolino Primeiro, em 1913. O Nerino fez sua última apresentação em setembro de 1964, em Cruzeiro do Sul, em São Paulo, depois de marcar a memória de muitos garotos país a fora.

Circo Tihany


Desses circos paulistas, o único que ainda  está com a lona armada é o Tihany. Fundado por Franz Czeisler em 1954 na cidade de Jacareí, em São Paulo, o circo sobrevive porque foi levado para o exterior.  A origem do nome vem de sua cidade natal Tihany, na Hungria. Foi ainda com o nome de Circo Mágico Tihany que esteve em Fortaleza. Antes de vir para o Brasil como imigrante em 1952, Franz já trabalhava nos palcos da Hungria, Romênia e Tchecoslováquia, como ator, bailarino e, por último, mágico. Após uma rápida passagem pela Flórida, o circo fixou-se em Las Vegas, onde Czeisler, de 96 anos, vive até hoje. O sucessor dele e atual diretor do Tihany Spetacular Circus   é o argentino  Richard Massone.

Circo Garcia


De todos esses circos o que me marcou mais foi mesmo o Garcia. Muita gente se apaixonou pelas artistas. Algumas delas ficavam hospedadas na mansão dos Limaverde, na rua Clarindo de Queiroz, em frente a praça São Sebastião, onde foi armado várias vezes. Antolim Garcia dizia que todo circo tem que ter uma velha. É a mãe de artistas, pode ser a mulher do empresário. Garcia dizia que circo sem velha não existe. Ela costura, examina uma colega grávida, chama a parteira, faz massagens, faz tudo, zela por todos e ainda faz fofocas, intrigas que ela mesmo se encarrega de desfazer. 

No livro que escreveu sobre o circo em 1962 Garcia comenta os costumes e prolemas dos companheiros que amou. Ele revela que no Brasil o circo se compõe de duas classes: uma representada pelos tradicionais, que é formada por artistas nascidos em circos e que são a continuação dos imigrados que iniciaram a vida circense no país. A outra classe é a dos aventureiros, constituída por artistas que antes exerciam outras atividades e que ingressaram para o circo por conveniência ou boemia.

A  velha e o Curió

O Garcia tinha uma velhota que comandava a classe dos aventureiros em 1955, na época em que o circo se preparava para ir à Guiana, sua primeira viagem internacional. Essa família tinha cinco membros. Essa senhora, viúva, recebeu o nome de Babá pelo cuidado que tinha pela família, duas filhas de criação, um garoto sapeca de uns cinco anos e o Curió, um caboclo atarracado que possuía conhecimentos acrobáticos. Ele viu nas meninas de Babá as partners que precisava para montar um grande ato e com ele entrar no mundo do espetáculo. Aproximou de Lelé, a mais velha das irmãs e começou um namoro que logo ele quis transformar em casamento. A velha Babá, temendo que Curió, depois de casado fosse embora com sua filha, foi contra e armou um golpe. Chamou Curió pra uma conversa. Disse-lhe que na sua família casamento sempre foi considerado um ato de grande responsabilidade. Que na família sempre se apoiou, sem objeções, a escolha de qualquer de seus membros, desde que se obedeça praxes legadas dos antepassados. Curió, balançando a cabeça como concordando com aquilo, dizia “cumprirei tudo”. E a velha afirmou que “nosso costume é casar primeiro os mais velhos”. Curió sorriu na certeza de que tinha escolhido a Lelé, a mais velha. “Sem que os mais velhos casem os jovens não poderão contrair matrimônio” - Certíssimo, disse Curió.
- Perdão, atalhou a velha. É bom que você saiba que a mais velha aqui, embora não pareça, sou eu; por conseguinte, antes que eu encontre um novo marido, Lelé não poderá casar-se.”
E a velha continua, descaradamente: “diante desse imperativo só vejo um recurso.”
-Qual?, pergunta um impaciente Curió. A velha lança um olhar furtivo e sugere; -Case comigo.
Curió, que ia levando uma xícara a boca, tomou um susto tão danado que entornou o café sobre calça. Babá pediu que trouxessem um pano molhado com água quente, ajoelhou-se diante do rapaz e começou a limpar as nódoas de café. Curió, que na verdade estava mesmo afim de montar um grande ato que permitisse que se apresentasse num grande circo, agarrou as mãos da velhota e disse: “sabe, nunca gostei de ter por mulher uma jovem piegas e inexperiente. A mulher que verdadeiramente gostei à primeira vista é você. Babá levantou-se e aos gritos chamou as duas filhas e comunicou: “O Curió aqui pediu-me para casar com ele e eu aceitei.

Uma vez casado com a matrona que sofria do fígado e de pedras na bexiga, Curió montou logo um grande ato com as duas caboclas. Babá pedia ao marido que levasse Lelé aos cinemas e passeios já que a bílis não lhe permitia sair. Os três passaram a viver felizes.
           
O livro de Antolim Garcia que conta essa história de Babá e Curió foi escrito em 1962, quando seu circo comemorava 47 anos de existência .

Garcia desce suas lonas

O fim do circo Garcia foi noticiado assim pelo Correio Popular, de  Campinas, matéria assinada por Rogério Verzignasse :

"As cortinas do espetáculo se fecharam. Para sempre. Atolado em dívidas que chegam à casa dos R$ 800 mil, o Circo Garcia, o mais antigo do Brasil, encerrou as suas atividades. Fundada em Campinas, em 1928, a companhia circense chegou a figurar, na década de 70, entre as quatro maiores do mundo.

Seu fundador foi Antolim Garcia, paulistano, filho de imigrantes espanhóis, que conduziu o Circo Garcia ao sucesso no Exterior. O apogeu aconteceu entre 1954 e 1964, quando os espetáculos, com cinco lonas e cerca de 200 artistas contratados, viajaram por 72 países do mundo.


Desde a década de 80, o Garcia enfrentou crises financeiras sucessivas.  A arte circense já encarava a concorrência da televisão, que passou a oferecer diversão sem que as pessoas precisassem sair de casa. Muitas lonas foram baixadas, no Brasil inteiro. Mas a instabilidade econômica atual foi decisiva. A alta do dólar tornou inviável o pagamento de artistas internacionais, com remunerações atreladas à moeda norte-americana. O Garcia chegou a pagar US$ 2,7 mil por semana a trapezistas mexicanos. Quase toda a dívida atual é referente a salários atrasados.  Alguns acontecimentos marcaram, de maneira particular, a derrocada do Garcia. Antolim morreu em 1987. Desde aquele ano, o grupo era administrado por sua mulher, Carola Boets, e pelo filho dele, Rolando Garcia, que faleceu em setembro de 2002  “Sem meu enteado, fiquei muito sozinha”, afirma Carola. “Aqui nós estávamos empatando dinheiro”. Além de Rolando, morreram desde o 2000 os outros dois filhos de Antolim, Ruth e Romero.  No dia 29 de dezembro de 2002, aconteceu o último espetáculo do Garcia, que estava montado na Avenida Guarapiranga, região do Santo Amaro, Zonal Sul paulistana. Sinal cruel dos tempos. Só 280 pessoas compareceram ao espetáculo, e se espalharam pela arquibancada construída para 3.500 espectadores. A arrecadação, lastima Carola, não foi suficiente nem para pagar os R$ 300,00 gastos com a manutenção dos geradores em uma noite de espetáculo."

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