Ainda menino em Ubajara ou Ibiapina o
simples anúncio de que “ o circo chegou” era motivo de grande alvoroço nas
cidades. A expectativa era grande
entre adultos e crianças. O espetáculo que íamos ver teve sua origem na
antiguidade, passou pelas arenas romanas e chegou à idade média com grupos de
malabaristas, artistas de teatro e comediantes viajando pela Europa. Coube ao
inglês Philip Astley, em 1769, organizar as apresentações circenses debaixo de
uma tenda de lona que mudava de cidade constantemente.
O circo da minha
infância no interior do Ceará não tinha cobertura. Lona só dos lados. “Hoje tem espetáculo?" - Tem sim senhor? - Às 8 da noite? - Tem sim senhor.
Arrocha negrada – Uuuuurrra!!! gritava a meninada que tinha um dos braços
pintado com uma numeração, o que lhe daria direito a entrar de graça. A
propaganda pelas ruas da cidade era conduzida por palhaços acompanhados pela
garotada. Hoje temos um palhaço deputado federal, o cearense Tiririca. No
passado, o máximo que um palhaço
conseguia era aparecer na televisão, como o Bozo, Carequinha ou Arrelia.
O palhaço mais famoso do Brasil foi Piolin, encarnado pelo paulista Abelardo
Pinto, de Ribeirão Preto. Morreu em 1973 mundialmente conhecido. Além de grande
criatividade cômica, Piolin era equilibrista e ginasta. Foi considerado "o
maior palhaço do mundo". Ele nasceu no dia 27 de março de 1897. O dia de
seu nascimento foi escolhido para ser o Dia do Circo no Brasil.
Circo
Nerino
Um outro palhaço famoso foi o Nerino.
Mas esse fui conhecer quando estava mais velho e morando em Fortaleza. Minha
casa ficava na avenida padre Ibiapina, ao lado da praça São Sebastião, local
destinado a armação dos circos.
Nerino, dono do circo, era o palhaço Picolino Segundo que matava todos
de rir com suas estripulias. O circo Nerino foi criação do pai dele, Picolino
Primeiro, em 1913. O Nerino fez sua última apresentação em setembro de 1964, em
Cruzeiro do Sul, em São Paulo, depois de marcar a memória de muitos garotos
país a fora.
Circo
Tihany
Desses circos paulistas, o único que
ainda está com a lona armada é o
Tihany. Fundado por Franz Czeisler em 1954 na cidade de Jacareí, em São Paulo,
o circo sobrevive porque foi levado para o exterior. A origem do nome vem de sua cidade natal Tihany, na Hungria.
Foi ainda com o nome de Circo Mágico Tihany que esteve em Fortaleza. Antes de
vir para o Brasil como imigrante em 1952, Franz já trabalhava nos palcos da
Hungria, Romênia e Tchecoslováquia, como ator, bailarino e, por último, mágico.
Após uma rápida passagem pela Flórida, o circo fixou-se em Las Vegas, onde
Czeisler, de 96 anos, vive até hoje. O sucessor dele e atual diretor do Tihany
Spetacular Circus é o
argentino Richard Massone.
Circo
Garcia
De todos
esses circos o que me marcou mais foi mesmo o Garcia. Muita gente se apaixonou
pelas artistas. Algumas delas ficavam hospedadas na mansão dos Limaverde, na
rua Clarindo de Queiroz, em frente a praça São Sebastião, onde foi armado
várias vezes. Antolim Garcia dizia que todo circo tem que ter uma velha. É a
mãe de artistas, pode ser a mulher do empresário. Garcia dizia que circo sem
velha não existe. Ela costura, examina uma colega grávida, chama a parteira,
faz massagens, faz tudo, zela por todos e ainda faz fofocas, intrigas que ela
mesmo se encarrega de desfazer.
No livro que escreveu sobre o circo em 1962
Garcia comenta os costumes e prolemas dos companheiros que amou. Ele revela que
no Brasil o circo se compõe de duas classes: uma representada pelos
tradicionais, que é formada por artistas nascidos em circos e que são a
continuação dos imigrados que iniciaram a vida circense no país. A outra classe
é a dos aventureiros, constituída por artistas que antes exerciam outras
atividades e que ingressaram para o circo por conveniência ou boemia.
A velha e o Curió
O Garcia
tinha uma velhota que comandava a classe dos aventureiros em 1955, na época em
que o circo se preparava para ir à Guiana, sua primeira viagem internacional.
Essa família tinha cinco membros. Essa senhora, viúva, recebeu o nome de Babá
pelo cuidado que tinha pela família, duas filhas de criação, um garoto sapeca
de uns cinco anos e o Curió, um caboclo atarracado que possuía conhecimentos
acrobáticos. Ele viu nas meninas de Babá as partners que precisava para montar
um grande ato e com ele entrar no mundo do espetáculo. Aproximou de Lelé, a
mais velha das irmãs e começou um namoro que logo ele quis transformar em
casamento. A velha Babá, temendo que Curió, depois de casado fosse embora com
sua filha, foi contra e armou um golpe. Chamou Curió pra uma conversa.
Disse-lhe que na sua família casamento sempre foi considerado um ato de grande
responsabilidade. Que na família sempre se apoiou, sem objeções, a escolha de
qualquer de seus membros, desde que se obedeça praxes legadas dos antepassados.
Curió, balançando a cabeça como concordando com aquilo, dizia “cumprirei tudo”.
E a velha afirmou que “nosso costume é casar primeiro os mais velhos”. Curió
sorriu na certeza de que tinha escolhido a Lelé, a mais velha. “Sem que os mais
velhos casem os jovens não poderão contrair matrimônio” - Certíssimo, disse
Curió.
- Perdão,
atalhou a velha. É bom que você saiba que a mais velha aqui, embora não pareça,
sou eu; por conseguinte, antes que eu encontre um novo marido, Lelé não poderá
casar-se.”
E a velha
continua, descaradamente: “diante desse imperativo só vejo um recurso.”
-Qual?,
pergunta um impaciente Curió. A velha lança um olhar furtivo e sugere; -Case
comigo.
Curió, que
ia levando uma xícara a boca, tomou um susto tão danado que entornou o café
sobre calça. Babá pediu que trouxessem um pano molhado com água quente,
ajoelhou-se diante do rapaz e começou a limpar as nódoas de café. Curió, que na
verdade estava mesmo afim de montar um grande ato que permitisse que se
apresentasse num grande circo, agarrou as mãos da velhota e disse: “sabe, nunca
gostei de ter por mulher uma jovem piegas e inexperiente. A mulher que
verdadeiramente gostei à primeira vista é você. Babá levantou-se e aos gritos
chamou as duas filhas e comunicou: “O Curió aqui pediu-me para casar com ele e
eu aceitei.
Uma vez
casado com a matrona que sofria do fígado e de pedras na bexiga, Curió montou
logo um grande ato com as duas caboclas. Babá pedia ao marido que levasse Lelé
aos cinemas e passeios já que a bílis não lhe permitia sair. Os três passaram a
viver felizes.
O livro
de Antolim Garcia que conta essa história de Babá e Curió foi escrito em 1962,
quando seu circo comemorava 47 anos de existência .
Garcia
desce suas lonas
O fim do
circo Garcia foi noticiado assim pelo Correio Popular, de Campinas, matéria assinada por Rogério
Verzignasse :
"As
cortinas do espetáculo se fecharam. Para sempre. Atolado em dívidas que chegam
à casa dos R$ 800 mil, o Circo Garcia, o mais antigo do Brasil, encerrou as
suas atividades. Fundada em Campinas, em 1928, a companhia circense chegou a
figurar, na década de 70, entre as quatro maiores do mundo.
Seu
fundador foi Antolim Garcia, paulistano, filho de imigrantes espanhóis, que
conduziu o Circo Garcia ao sucesso no Exterior. O apogeu aconteceu entre 1954 e
1964, quando os espetáculos, com cinco lonas e cerca de 200 artistas
contratados, viajaram por 72 países do mundo.
Desde a
década de 80, o Garcia enfrentou crises financeiras sucessivas. A arte circense já encarava a
concorrência da televisão, que passou a oferecer diversão sem que as pessoas
precisassem sair de casa. Muitas lonas foram baixadas, no Brasil inteiro. Mas a
instabilidade econômica atual foi decisiva. A alta do dólar tornou inviável o
pagamento de artistas internacionais, com remunerações atreladas à moeda
norte-americana. O Garcia chegou a pagar US$ 2,7 mil por semana a trapezistas
mexicanos. Quase toda a dívida atual é referente a salários atrasados. Alguns acontecimentos marcaram, de
maneira particular, a derrocada do Garcia. Antolim morreu em 1987. Desde aquele
ano, o grupo era administrado por sua mulher, Carola Boets, e pelo filho dele,
Rolando Garcia, que faleceu em setembro de 2002 “Sem meu enteado, fiquei muito sozinha”, afirma Carola.
“Aqui nós estávamos empatando dinheiro”. Além de Rolando, morreram desde o 2000
os outros dois filhos de Antolim, Ruth e Romero. No dia 29 de dezembro de 2002, aconteceu o último espetáculo
do Garcia, que estava montado na Avenida Guarapiranga, região do Santo Amaro,
Zonal Sul paulistana. Sinal cruel dos tempos. Só 280 pessoas compareceram ao
espetáculo, e se espalharam pela arquibancada construída para 3.500
espectadores. A arrecadação, lastima Carola, não foi suficiente nem para pagar
os R$ 300,00 gastos com a manutenção dos geradores em uma noite de espetáculo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário