Vanira da Silva Foster
Bolsa de ombro, como essas que hoje facilmente identifica um
paulistano. Circulava pelos corredores do departamento de comunicação da
Universidade de Brasília. E pelos teatros amadores da cidade. Era Augusto para
os mais íntimos e Chico Pontes para os demais. Para mim, Chico.
Acho que me aproximei dele por meio do Clodo que na época
terminava o curso de comunicação e de quem eu tinha sido auxiliar no curso de
publicidade do colégio préuniversitário. Nunca era fácil os encontros com ele.
Sempre me instigando, dizendo coisas muitas vezes incompreensíveis, insinuações
indecifráveis. Eu, perdida nos meus 19 anos, recém universitária, aluna de publicidade (o
jornalismo foi por acaso) e atriz amadora, às vezes fugia dele. Chico me
bagunçava a cabeça e muitas vezes me irritava. Os que o cercavam já faziam pilhéria
das histórias da mãe que morava num areal e da sua “proposital” falta de
dentes.
Ficou claro que de alguma maneira me acompanhava. Levou Ednardo
para ouvir a gravação do programa de rádio que eu tinha feito sobre poesia.
Eles gostaram do tema e do programa. Ednardo pediu cópia. Depois, foram Rodger
e Teti que o queriam tanto bem que me acolheram como a uma velha amiga.
Passou a conviver com meus amigos. De alguns era crítico
severo. Foram muitas noites no Beirute, cantorias sem fim em bares e casas de
amigos. Cantávamos Carneiro, O lago e outras composições dele e de Rodger, O
relacionamento foi ficando mais próximo.
Um dia numa dessas cantorias, para minha surpresa, um amigo
comum anunciou que cantaria a música que Chico havia feito para mim:”feito de
conta este olhar/faz de conta que é pra mim/abra o seu sorriso mais que
possa/quero entrar nessa festa de riso e olhar/meu coração está de novo aberto,
pode entrar/eu estou só com os meus momentos /e uma saudade clara sua/festa de
corpo e alma nua/meu coração com mil tormentos”. Era Folia ou Pressa.
Nunca consegui entender o que tivemos. Anos depois fui
visitálo no Ceará. Eu já era divorciada e ele viúvo de Cristina Borracha. Foi
bom rever Fortaleza ao lado dele. Depois de ouvirmos Rodger em um dos bares da
cidade, em outro bar ouvimos gravação de uma cantora que ora parecia cantar em
português ora não. Era Cesárea Évora. Ele sabia bastante sobre ela.
Foi noite de muitas conversas, inclusive sobre o livro que
publicaria. E sobre o qual conversamos com um outro amigo dele daqui que
encontramos em Fortaleza – agora me foge o nome. Peti? Talvez. Falamos até
sobre nós. Disse que aos 19 anos não consegui entendêlo. E que agora(lá em Fortaleza)
aquilo não mais fazia sentido.
Nos falamos pelo telefone algumas poucas vezes depois da tal
viagem. Vêlo, nunca mais. Soube meses depois da morte dele que havia morrido.
Fiquei triste porque não tinha mais dúvida de que gostava dele. De que todas as
vezes que ouvisse Cesárea Évora me lembraria dele. De que o guardaria sempre
num lugar especial, no limbo das emoções, no cantinho da certeza dos bons afetos,
nos voos sem turbulência. Vez por outra canto Folia ou Pressa, na incerteza se
é pra mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário